quarta-feira, 19 de outubro de 2022

Arrancados da Terra. Lira Neto. «… os nativos chamavam Manna-hata ouMan-a-ha-tonh (lugar onde se colhe madeira para fazer arcos [de flechas], segundo alguns; ilha de muitas colinas, para outros)…»

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«(…) Wall Street, a Rua da Muralha, recebeu esse nome devido à paliçada de madeira que existia na rectaguarda da povoação, para servir de protecção contra o ataque de índios, corsários, piratas e demais invasores. Constituído por estacas sólidas de pontas afiadas, com três metros de altura e cravado a mais de um metro de profundidade, o paredão tinha cerca de 700 metros de extensão. Atravessava a ilha de ponta a ponta no sentido longitudinal, do limite do East River às imediações da actual Trinity Church, a tradicional igreja anglicana na esquina de Wall Street com a Broadway, faixa de território então banhada pelas águas do rio Hudson (tudo a oeste dessa parte da ilha também é fruto de aterros posteriores).

No local em que havia a tosca amurada, os oito quarteirões da moderna Wall Street tornaram-se o símbolo máximo do poder financeiro. A exemplo do que ocorre nos demais cruzamentos da rua, a intersecção com Water Street é assinalada pela presença de executivos e trabalhadores de fatos sóbrios que se misturam com turistas de máquina fotográfica a tiracolo. A cada instante, do alto dos autocarros de dois andares apinhados de turistas, câmaras de telemóveis apontam em todas as direcções. Cinco cruzamentos adiante, deixando para trás os engravatados de ar impaciente e os forasteiros que caminham, abismados, de pescoço erguido, alcança-se a Peter Minuit Plaza, no ponto mais meridional da ilha.

Basta olhar em redor para constatar que quase ninguém se detém, por um minuto sequer, diante de um pequeno bloco de granito bruto a um dos cantos da praça. Nele está afixada a maquete em bronze de uma velha cidade colonial chamada Nova Amesterdão,- o nome com o qual os holandeses, primeiros colonizadores de uma região a que os nativos chamavam Manna-hata ouMan-a-ha-tonh (lugar onde se colhe madeira para fazer arcos [de flechas], segundo alguns; ilha de muitas colinas, para outros), baptizaram o que viria a ser Nova Iorque.

Embora seja detalhado, retratando casas de padrão holandês com telhados inclinados, sistemas de canais navegáveis, uma fortaleza à beira da água e até um típico moinho de vento, o mapa tridimensional em bronze não parece despertar a atenção dos passantes. Estes mostram-se mais interessados em seguir céleres para a esquerda, para apanhar o próximo ferry com destino a Staten Island, passeio com direito à visão das skyline de Manhattan sobre as águas; ou sobretudo à direita, a fim de enfrentar a fila quilométrica da bilheteira dos barcos que levam à Estátua da Liberdade. Mesmo entre os nova-iorquinos, a história de Nova Amesterdão ainda está rodeada por uma aura de mistério e desconhecimento. É provável que muitos dos cidadãos da ilha não associem as cores branca, azul e laranja da actual bandeira de Nova Iorque ao pavilhão tricolor da Holanda no século XVII, as mesmas que estão estampadas no escudo de uma das principais equipas de basebol da cidade, os New York Mets, assim como no emblema dos New York Knicks, a marca mais valiosa da NBA (National Basketball Association), segundo a revista Forbes». In lira Neto, Arrancados da Terra, 2021, Penguin Random-House Grupo Editorial, 2021, chancela Objectiva, ISBN 978-989-784-257-3.

Cortesia de PRHGEditorial/JDACT

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