«(…) Wall Street, a Rua da Muralha, recebeu esse nome devido à paliçada de madeira que existia na rectaguarda da povoação, para servir de protecção contra o ataque de índios, corsários, piratas e demais invasores. Constituído por estacas sólidas de pontas afiadas, com três metros de altura e cravado a mais de um metro de profundidade, o paredão tinha cerca de 700 metros de extensão. Atravessava a ilha de ponta a ponta no sentido longitudinal, do limite do East River às imediações da actual Trinity Church, a tradicional igreja anglicana na esquina de Wall Street com a Broadway, faixa de território então banhada pelas águas do rio Hudson (tudo a oeste dessa parte da ilha também é fruto de aterros posteriores).
No local em que havia a tosca amurada,
os oito quarteirões da moderna Wall Street tornaram-se o símbolo máximo do poder
financeiro. A exemplo do que ocorre nos demais cruzamentos da rua, a intersecção
com Water Street é assinalada pela presença de executivos e trabalhadores de fatos
sóbrios que se misturam com turistas de máquina fotográfica a tiracolo. A cada instante,
do alto dos autocarros de dois andares apinhados de turistas, câmaras de telemóveis
apontam em todas as direcções. Cinco cruzamentos adiante, deixando para trás os
engravatados de ar impaciente e os forasteiros que caminham, abismados, de pescoço
erguido, alcança-se a Peter Minuit Plaza, no ponto mais meridional da ilha.
Basta olhar em redor para
constatar que quase ninguém se detém, por um minuto sequer, diante de um pequeno
bloco de granito bruto a um dos cantos da praça. Nele está afixada a maquete em
bronze de uma velha cidade colonial chamada Nova Amesterdão,- o nome com
o qual os holandeses, primeiros colonizadores de uma região a que os nativos chamavam
Manna-hata ouMan-a-ha-tonh (lugar onde se colhe madeira para fazer arcos [de
flechas], segundo alguns; ilha de muitas colinas, para outros), baptizaram o
que viria a ser Nova Iorque.
Embora seja detalhado, retratando
casas de padrão holandês com telhados inclinados, sistemas de canais
navegáveis, uma fortaleza à beira da água e até um típico moinho de vento, o
mapa tridimensional em bronze não parece despertar a atenção dos passantes. Estes
mostram-se mais interessados em seguir céleres para a esquerda, para apanhar o próximo
ferry com destino a Staten Island, passeio com direito à visão das skyline de Manhattan
sobre as águas; ou sobretudo à direita, a fim de enfrentar a fila quilométrica da
bilheteira dos barcos que levam à Estátua da Liberdade. Mesmo entre os nova-iorquinos,
a história de Nova Amesterdão ainda está rodeada por uma aura de mistério e desconhecimento.
É provável que muitos dos cidadãos da ilha não associem as cores branca, azul e
laranja da actual bandeira de Nova Iorque ao pavilhão tricolor da Holanda no
século XVII, as mesmas que estão estampadas no escudo de uma das principais equipas
de basebol da cidade, os New York Mets, assim como no emblema dos New York Knicks,
a marca mais valiosa da NBA (National Basketball Association), segundo a revista
Forbes». In lira Neto, Arrancados da Terra, 2021, Penguin Random-House Grupo
Editorial, 2021, chancela Objectiva, ISBN 978-989-784-257-3.
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