sexta-feira, 28 de outubro de 2022

Por Amor a uma Mulher. Domingos Amaral. «Elvira Peres de Trava levou as mãos à boca, chocada. Nunca pensara que a filha já se dera a homens, e ainda menos a um infanção de estatuto inferior ao dela!»

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NOTA: Afonso Henriques, nascido em 1109, filho do conde Henrique e de dona Teresa, neto de Afonso VI de Leão e primo direito de Afonso VII. Tem uma relação amorosa com Elvira Gualter, da qual nasceram duas filhas, Urraca e Teresa Gualter; e outra com Chamoa Gomes, de quem tem dois filhos, Fernando e Pedro Afonso. Será reconhecido com rei de Portugal, em 1143, em Zamora.

Viseu, Domingo de Páscoa, Abril de 1126

«(… ) Só a minha prima Raimunda rejubilou em segredo com o desgosto de Chamoa, e só ela acreditou que o príncipe voltaria para os seus braços, pois julgava que no coração dos outros nada era tão intenso como no dela. Enganou-se. O encantamento entre Chamoa e o príncipe, apesar daquela tremenda contrariedade, manteve-se vivo muitos anos. Por vezes, é isso que acontece, o amor resiste e dura. Contudo e naquela noite, a única que percebeu a profundidade da dor de Chamoa foi a sua irmã, a minha Maria Gomes. Julgando-a uma frívola, a mãe e o pai consideraram que aqueles uivos enlouquecidos eram teatrais em demasia. Não era verdade: Chamoa estava apaixonada por Afonso Henriques, e fascinada com a possibilidade de concretizar o seu sonho de infância. Durante a noite de sábado para domingo, confirmara à irmã o seu desejo de se casar depois das promessas trocadas junto ao rio da Loba. A minha querida Maria Gomes, apesar de habituada aos exageros da mana, notou que a forma como ela falava diferenciava Afonso Henriques de outras brincadeiras, e surpreendeu-se por descobrir, pela primeira vez, que Chamoa estava genuinamente enamorada.

Sonha ser princesa. Ou rainha, disse-me depois Maria. Por isso, ao ouvir aquela notícia na tenda, Chamoa sofreu um choque violento, que a desequilibrou. A mãe, o pai e a minha Maria levaram-na para casa ainda inanimada. Quando acordou, Chamoa abriu a alma e berrou: Mãe, pai, não me obrigueis a casar com aquele homem! Como qualquer mulher cujo amado é ainda desconhecido de terceiros, Chamoa apresentou argumentos que escondiam a verdade, e baseou a sua relutância nas desagradáveis características do futuro esposo. Paio Soares era velho, vaidoso, dado a amuos imprevisíveis, e muitos suspeitavam de que já não era homem suficiente para gerar filhos numa mulher!

Ao ouvi-la, Gomes Nunes de Pombeiro afirmou, um pouco irritado: É mais novo do que eu, ainda tem muita vitalidade! O pensamento arrepiou Chamoa, que decidiu apresentar uma nova razão, ainda mais poderosa do que as anteriores. Mas eu fui amiga do filho dele, do Ramiro!

Elvira Peres de Trava levou as mãos à boca, chocada. Nunca pensara que a filha já se dera a homens, e ainda menos a um infanção de estatuto inferior ao dela! O pai bateu as pestanas, confundido, quando Chamoa pormenorizou o sucedido: Beijei-o em Ponte de Lima, na feira do ano passado. Agora terei de beijar o pai dele? É pavoroso! Gomes Nunes, sem deduzir das palavras da filha o tipo de beijo a que ela se referia, encolheu os ombros, dizendo: Deus perdoa essas brincadeiras de crianças! Depois, colocou a mão no braço de Chamoa e afirmou: Filha, sabes o quanto vos amo, mas... Não podemos recusar a decisão da rainha. Paio Soares é um homem poderoso e nós...» In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa das Letras, LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.

Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT

JDACT, Domingos Amaral, A Arte, Literatura,