sábado, 1 de outubro de 2022

O Cavaleiro de Alcântara. Jesús Sanchez Adalid. «Bati na madeira do robusto pórtico com a aldraba e o som ressoou no interior do saguão, regressando até mim como um eco profundamente conhecido. Depois, ouviram-se passos lá dentro»

 

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 «(…) Amanhecia tenuemente quando consegui ver as torres e campanários da minha amada cidade. Caminhara durante toda a noite para evitar o calor, por caminhos que as sombras esbatiam, e pareceu-me que nascia o sol no horizonte para alumiar a formosura de Jerez de los Caballeros, presenteando-me com a sublime visão das muralhas douradas e dos vermelhos telhados, no meio dos campos montanhosos. Uma grande quietude dominava tudo. Atravessei a porta a que chamam de Burgos e subi lentamente pelas ruas inclinadas. Os cães ladravam ao ruído dos meus passos. Cantavam os galos. os camponeses saíam para os seus labores e os sinos chamavam para a missa matutina. os afazeres quotidianos, o som de chocalhos, o martelar nas oficinas, os pregoeiros e as vassouras que arranhavam as pedras dos portais quebravam o silêncio. Mais de dez anos tinham transcorrido desde a minha partida. Então, quando saí da minha casa, era um jovem moço e, agora, regressava um homem feito, crescidas as barbas desordenadas, sujos o corpo e o rosto pelo pó dos caminhos e maltratadas as roupas, após tão longa viagem. Ninguém me reconheceu, embora alguns ficassem a observar-me.

Ao percorrer os lugares familiares onde passei a minha infância, brotavam na minha alma as recordações. Senti uma ameaça de angústia, pelo tempo deixado para trás e que já não voltaria. Mas, chegado à porta da minha casa, fui sacudido por uma súbita alegria, como se brotasse dentro de mim uma fonte que me animava. E veio-me à memória o penoso cativeiro como algo consumado, muito longínquo, como se tivesse sido padecido por outra pessoa e não por mim. A encantadora visão do lugar onde cresci permanecia inalterada, assombrosamente idêntica ao dia em que parti. Observava a parede soalheira, os vermelhos tijolos dos caixilhos das janelas, as negras grades de ferro forjado, os nobres brasões onde se exibiam, bem cinzeladas em granito, as armas da família,

Bati na madeira do robusto pórtico com a aldraba e o som ressoou no interior do saguão, regressando até mim como um eco profundamente conhecido. Depois, ouviram-se passos lá dentro. Uma viva emoção carregada de impaciência dominava-me. Abriu um rapaz de familiar aparência. Observou-me e, com prudência, Perguntou: O que deseja vossa mercê a esta hora? Não se faz caridade nesta casa antes do meio-dia. Não peço caridade, respondi sorridente. Venho ao que é meu...» In Jesús Sanchez Adalid, O Cavaleiro de Alcântara, 2008, HarperCollins Ibérica, 2021, ISBN 978-849-139-511-9.

 Cortesia de HarperCollins Ibérica/JDACT

JDACT, Jesús Sanchez Adalid, Narrativa, História, Literatura,