Ao percorrer os lugares familiares
onde passei a minha infância, brotavam na minha alma as recordações. Senti uma ameaça
de angústia, pelo tempo deixado para trás e que já não voltaria. Mas, chegado à
porta da minha casa, fui sacudido por uma súbita alegria, como se brotasse dentro
de mim uma fonte que me animava. E veio-me à memória o penoso cativeiro como algo
consumado, muito longínquo, como se tivesse sido padecido por outra pessoa e não
por mim. A encantadora visão do lugar onde cresci permanecia inalterada, assombrosamente
idêntica ao dia em que parti. Observava a parede soalheira, os vermelhos tijolos
dos caixilhos das janelas, as negras grades de ferro forjado, os nobres brasões
onde se exibiam, bem cinzeladas em granito, as armas da família,
Bati na madeira do robusto pórtico
com a aldraba e o som ressoou no interior do saguão, regressando até mim como um
eco profundamente conhecido. Depois, ouviram-se passos lá dentro. Uma viva
emoção carregada de impaciência dominava-me. Abriu um rapaz de familiar aparência.
Observou-me e, com prudência, Perguntou: O que deseja vossa mercê a esta hora? Não
se faz caridade nesta casa antes do meio-dia. Não peço caridade, respondi
sorridente. Venho ao que é meu...» In Jesús Sanchez Adalid, O Cavaleiro de Alcântara,
2008, HarperCollins Ibérica, 2021, ISBN 978-849-139-511-9.
JDACT, Jesús Sanchez Adalid, Narrativa, História, Literatura,