A santa
esposa do rei Dinis é uma das mais preciosas pérolas do Flos Sanctorum. No
catálogo dos santos da Igreja católica, se exceptuarmos alguns dos primeiros
mártires do cristianismo, encontrar-se-ão poucos que tenham reunido tantas
virtudes como a rainha Santa Isabel de Portugal. (BENEVIDES, 2011). A escolha
deste tema surgiu ainda como aluna do Seminário de Literatura e História do
Mestrado em Estudos Portugueses Multidisciplinares da Universidade Aberta,
quando abordámos a temática da proximidade entre a Literatura e a História, o
que, de certa forma, suscitou em mim grande admiração sobre o modo como a
Literatura se pode apropriar da História. Há sempre diversas razões que
sustentam uma escolha. Neste caso, o tema surgiu também pelo fascínio pelo
inquietante e longo período que é a época medieval portuguesa e pela
oportunidade de poder contribuir para demonstrar o diálogo e a interacção que
existe entre a História e a Literatura. Assim, tentaremos mostrar como a
Literatura pode proporcionar uma perspectiva diferente, ou seja, uma outra
leitura e visão dos factos históricos. A abordagem do binómio Isabel personagem
histórica e Isabel personagem literária permitiu-nos verificar a grande
componente interdisciplinar que existe entre estas duas áreas, aparentemente
distantes e na verdade tão próximas, que se servem a si próprias e uma da outra
para alcançar os seus objectivos.
O
facto de ter nascido na cidade de Coimbra e de residir na mesma despertou-me um
maior desejo em aprofundar a vida e a história da Rainha Santa Isabel.
Acrescento que nutro por esta figura o maior respeito e admiração. Com este
estudo, pretendo, de alguma forma, prestar uma homenagem justa a esta
personagem ímpar da história da cidade de Coimbra, uma vez que, para os
conimbricenses, a Rainha Santa é uma figura importantíssima na vida da
comunidade, sendo também uma das Rainhas mais acarinhadas da História de
Portugal.
Conceitos
O
objectivo do presente capítulo é debater, numa perspectiva essencialmente
teórica, um conjunto de conceitos e respectivas definições: hagiografia,
biografia e romance histórico.
A
hagiografia desenvolveu-se e consolidou-se a partir da Idade Média com a
expansão do Cristianismo e a difusão do culto aos santos. Estes textos,
escritos por biógrafos do sagrado, emanam da vontade de transformar relatos
orais pré-existentes em documentos que, através da escrita, procuram
uniformizar e legitimar uma crença. O Dicionário
Breve de Termos Literários define Hagiografia como: Subgénero
literário relativo à vida de santos. (PAZ e MONIZ, 2004). Neste tipo de texto é
apresentada a vida de uma personagem de forma a legitimá-la como santo, o que é
demonstrado graças à narrativa do seu percurso exemplar. Assim, são retratadas
vidas de homens e mulheres que agiram de forma a determinarem a sua condição de
sagrado.
Quanto
à sua organização, as hagiografias medievais privilegiaram aspectos
diferenciados dos santos, tendo enfatizado ora o nascimento, a vida, a morte ou
os milagres. Estes textos foram utilizados para descrever o percurso de
pessoas, homens ou mulheres, que alcançaram a santidade e que ao longo das suas
vidas procederam de maneira exemplar. Sobre este assunto, António Manuel Rebelo
afirma: Assim, além de
descrever e glorificar a vida e obra do santo, a sua morte e milagres,
contribuindo, deste modo, de forma indirecta para a glória de Deus, mas também
para edificação do crente, a hagiografia aponta para objectivos porventura
menos óbvios: morais, catequéticos, parenéticos, apologéticos, dogmáticos,
eclesiásticos, pastorais e políticos…
Para
Cristina Sobral, a categorização dos géneros narrativos coloca a hagiografia
dentro da historiografia: Aponta a partilha pela hagiografia e pela
historiografia medievais dos traços considerados específicos da hagiografia: a
subjectividade, a exemplaridade, o uso da retórica, etc. Inscreve
definitivamente a hagiografia no mesmo campo epistemológico da historiografia
ao rejeitar a classificação tradicional e ao substitui-la por historiografia
sagrada, considerada género histórico que toma como objecto não a história
civil mas a história sagrada, eclesiástica, com todas as consequências que isso
tem, incluindo o facto de o santo ser objecto de um culto». In Isabel Maria M.
Costa, Isabel de Aragão, Rainha Santa, no período medieval e na actualidade,
uma visão comparatista entre textos literários e historiográficos, Universidade
Aberta, Mestrado em Estudos
Portugueses Multidisciplinares, 2019.
Cortesia de UAberta/JDACT
JDACT, Isabel Maria M. Costa, História, Conhecimento, Caso de Estudo,