A Civilização Islâmica e o Gharb al-Ândalus
A
Formação da Sociedade de al-Andaluz
«(…) Os bárbaros que invadiram a Península no
século V não seriam mais numerosos. Por outro lado, os afluxos berberes e também
árabes continuaram ao longo dos quinhentos anos. A vinda de gente do Oriente é
sensível no tempo dos emires, em particular de Abderramão I e II. As emigrações
e colonizações berberes forneceram mercenários a Abderramão I e às tropas de
Almançor Abu Amir e incorporaram com milhares de membros as invasões e colonizações
berberes no tempo das dinastias almorávida e almóada.
Segundo o Código Visigótico,
quase todos os caminhos levavam à servidão: o nascimento, o casamento com
serva, o cativeiro, o consentimento voluntário, o abuso da força, as sanções
penais por rapto, adultério, estupro, insolubilidade, abandono da mulher
casando com outra, consultas de adivinhos, falsificação de moeda, etc. Por
outro lado, a feroz perseguição movida pelo poder eclesial-militar visigótico
aos judeus, há muito instalados como mercadores em todo o Mediterrâneo,
forneceria, logo na primeira hora, aliados preciosos aos conquistadores que
lhes entregaram a guarda de algumas cidades.
As decadentes cidades
hispano-romano-godas opuseram fraca resistência. E após a conquista e durante
as guerras tribais e as guerras entre baladis e os sírios de Baly, não se sublevaram
devido não só à fraqueza dos poderes derrotados como à conversão de
comerciantes, alguns senhores e principalmente servos citadinos à nova religião
que lhes proporcionava a liberdade pessoal. E assim os muladis ou cristãos
muçulmanizados e clientes dos notáveis das tribos invasoras são visíveis desde
os primeiros momentos. Nos primeiros anos, durante as guerras tribais, o chefe dos
sírios Abu al-Katar al-Sumail pediu auxílio à gente do mercado de Córdova,
facto que parece sugerir não só a liberdade pessoal destes como a
muçulmanização de boa parte da população cordovesa. Aliás, os muladis ou
cristãos muçulmanizados são visíveis desde as primeiras horas. E no levantamento
do arrabalde de Córdova contra al-Hakam I em 817, a gente do arrabalde é então
mais ortodoxa que o próprio emir a quem doestam com os gritos: Vem, rezar borracho.
Em contrapartida, os novos
senhores não se mostraram muito interessados na libertação dos camponeses que,
como quinteiros, ficaram adscritos ao quinto, isto é, ao quinto das terras
conquistadas à viva força e destinado ao Tesouro dos muçulmanos. Os invasores
combatiam ligados pelos laços da tribo e do clã, ciosos do seu sistema familiar
endogâmico e patrilinear. Como mostrou Pierre Guichard, este sistema social de
tipo tribal e clânico, característico dos povos árabes e berberes, condicionou
a evolução posterior da sociedade andaluza e do poder político e militar aí
instalado. Em primeiro lugar, não permitiu a absorpção do novo aparelho religioso-político-militar
pelo corpo dos poderes vencidos. Pelo contrário, os peninsulares só acedem ao
novo poder integrando-se nele como clientes das tribos e dos clãs». In António Borges Coelho, Tópicos para a História
da Civilização e das Ideias no Gharb al-Andalus, Instituto Camões, Colecção Lazúli,
1999, IAG-Artes Gráficas, ISBN 972-566-205-9.
Cortesia de ICamões/JDACT
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