Com a devida vénia à Doutora Maria do Carmo Pinto
Heróis ou Anti-Heróis.
Filipe
III e a Inquisição (maldita). Antes e depois do perdão de 1605
«(…)
Se analisarmos com algum cuidado a política de Filipe III, facilmente nos podemos
aperceber que ocorreram profundas alterações na forma como se desenrolou o
relacionamento entre o monarca e o Tribunal do Santo Ofício (maldito) e entre aquele
e os cristãos-novos. No início do século XVII, a fazenda real, cuja última
quebra tinha ocorrido em 1596, antes da subida de Filipe III ao trono, passava
por novos apuros que culminou na bancarrota de 1607. O monarca determinou a
imposição aos navios mercantes de um novo tributo, consulado, o qual deveria ser aplicado, exclusivamente, à
defesa dos portos e do comércio marítimo. Esta decisão foi cumprida apenas
durante alguns anos, uma vez que o produto do recente imposto, tal como já
acontecera com a terça dos concelhos destinadas à reparação das fortalezas,
depressa foi consumido nas despesas urgentes. O dinheiro arrecadava-se (...)
mas os cascos apodreciam desarmados, enquanto os piratas acoutavam os nossos
mares. O erário régio exigia reformas profundas que tardavam e o desequilíbrio
aumentava. Mesmo o lançamento de um direito novo no valor de 220 réis sobre
cada moio de sal exportado veio revelar-se insuficiente para resolver o
problema financeiro. Considerando a conjuntura adequada a uma aceitação das
suas exigências, os cristãos-novos tentaram a consciência do príncipe,
prometendo-lhe avultadas quantias em troca da recuperação de imunidades que no
reinado de dom Sebastião lhe tinham sido concedidas e cuja revogação por parte de
dom Henrique foi confirmada por Filipe II. O desaparecimento de Filipe II e as dificuldades
do tesouro nos primeiros anos do reinado de Filipe III aplanaram o caminho aos
cristãos-novos. A súplica era audaz, mas a ocasião favorecia os requerentes.
O principal objectivo dos
cristãos-novos era conseguirem, efectivamente, obter o perdão geral que havia
muito procuravam alcançar e que, concedido por Clemente VII a 23 de Agosto de
1604, acabaria por ser publicado em 16 de Janeiro de 1605. Porém, até o
conseguirem concretizar houve que percorrer um longo caminho, aliás iniciado
ainda no reinado de Filipe II. Assim, logo em 1598, começaram por oferecer à Coroa
675 mil cruzados, além de lhe facultarem um empréstimo no valor de 500 mil
ducados, sem juros, a ser aplicado às naus da Índia e cujo reembolso assentava
na pimenta que as mesmas trouxessem. Tanto em Portugal como em Castela, a
disponibilidade manifestada pelos cristãos-novos para ajudar Filipe III
suscitou forte oposição. O impasse acabou por ser ultrapassado com a proposta
apresentada pelos Governadores de Portugal, em Fevereiro de 1600, na qual o
reino se comprometia a pagar um serviço de 800 mil cruzados, em prestações
anuais, como forma de indemnizar a coroa das somas que deixaria de receber,
obrigando-se o monarca, em contrapartida, a rejeitar a pretensão dos
cristãos-novos ao perdão geral. O governo castelhano aceitou a proposta mas esta
acabou por não obter a anuência do Senado da Câmara de Lisboa com base no facto
de não terem sido ouvidos os representantes das cidades e lugares do reino com assento
nas Cortes, pelo que o acordo ficou sem efeito, pelo Alvará de 30 de Outubro de
1601.
In Maria do Carmo Teixeira Pinto, Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de D.
João IV, Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação de Doutoramento em História,
Universidade Aberta, Lisboa, 2003.
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JDACT, Conhecimentos, D. João IV, Elvas, Évora, Maria do Carmo T. Pinto,