sábado, 14 de janeiro de 2023

Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de João IV. Maria do Carmo T. Pinto.«O reino converteu-se em prisão por dívidas. A atitude de benevolência manifestada pelo monarca no início do seu reinado esfumava-se pouco a pouco…»

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Com a devida vénia à Doutora Maria do Carmo Pinto

Heróis ou Anti-Heróis.

Filipe III e a Inquisição (maldita). Antes e depois do perdão de 1605

«(…) Perante as dificuldades financeiras que teimavam em persistir, Filipe III viu-se, novamente, na contingência de ter de procurar apoio junto dos cristãos-novos. Assim, durante a primeira metade de 1601, a gente de nação obteve a revogação da lei decretada por dom Henrique e confirmada por Filipe II, que os impedia de sair do reino e de venderem os seus bens, mediante um pagamento de 170 mil cruzados, que posteriormente passou a 200 mil, sendo-lhes, igualmente, dada permissão para se fixarem nos territórios portugueses além-mar. Ainda nesse mesmo ano, um alvará régio de 24 de Novembro de 1601 proibia a utilização da designação de cristão-novo, confesso, marrano ou judeu, relativamente a qualquer descendente dos conversos, sob pena de multa e prisão, sendo provável que a promulgação desta lei tenha sido obtida mediante o pagamento pelos cristãos-novos de avultada quantia. Contudo, à vontade expressa da Inquisição (maldita) sobrepunham-se as exigências do erário régio. Os que defendiam que o perdão fosse concedido argumentavam que era necessário organizar uma poderosa esquadra que afastasse, definitivamente, a navegação holandesa e inglesa das costas da Índia. Nem o dinheiro dos confiscos podia constituir solução, uma vez que o tempo escasseava e não chegaria a tempo.

Assim, os cristãos-novos prometiam a Filipe III um serviço voluntário de 1.700.000 cruzados62, prescindindo do pagamento de 225 mil cruzados que a fazenda devia a alguns deles, caso o monarca conseguisse obter o perdão geral das culpas de apostasia e judaísmo. Os cristãos-novos estavam tão apostados em garantir que as suas pretensões fossem ouvidas que tinham, inclusivamente, distribuído benesses financeiras, no valor de 100 mil cruzados, por diversas personagens importantes da corte madrilena, entre as quais o próprio duque de Lerma. Porém, o valido de Filipe III e o próprio monarca não se mostravam menos interessados no acordo, desejosos que estavam em obter o apoio dos financeiros portugueses. Num primeiro momento, entre aqueles que abandonaram Portugal e procuraram refúgio no reino vizinho, a par de importantes banqueiros, em especial lisboetas, e homens de negócio que se fixaram na corte e em Sevilha, porta de saída para as Índias de Castela, figuravam, também, modestos mercadores que entraram em Castela aproveitando o vazio deixado pela crise económica que varrera Castela no final do século XVI e pouco a pouco se foram integrando e enriquecendo. O duque de Lerma firmou com eles vários contratos, aproveitando, desta forma, os recursos e contactos que os cristãos-novos estavam em condições de oferecer em troca de certas concessões e de bons negócios. Os problemas religiosos e de limpeza de sangue foram relegados para segundo plano.

Poucos meses depois da publicação do perdão geral, por alvará de 5 de Junho de 1605, foi constituída, em Lisboa, uma Junta, presidida por Constantino Mello, incumbida do maneio e distribuição do referido serviço. Os cristãos-novos ou por que se encontrassem desiludidos com Filipe III por não os ter considerado em condições de exercerem certos cargos e honras, ou por que tivessem prometido verbas de que não dispunham, quando chegou o momento da cobrança não cumpriram aquilo a que se tinham obrigado. Impôs-se a coacção, mas os cristãos-novos regateavam o pagamento, vendiam seus bens e tentavam fugir. Perante este quadro o monarca considerou que não se encontrava mais obrigado a cumprir a sua promessa e no ano seguinte, em 1606, Filipe III proibiu os cristãos-novos de saírem do reino, sem provisão sua ou sem quitação do presidente da referida Junta. O reino converteu-se em prisão por dívidas. A atitude de benevolência manifestada pelo monarca no início do seu reinado esfumava-se pouco a pouco e os cristãos-novos não foram os únicos que sofreram com a alteração de comportamento de Filipe III». In Maria do Carmo Teixeira Pinto, Os Cristãos-Novos de Elvas no reinado de D. João IV, Heróis ou Anti-Heróis?, Dissertação de Doutoramento em História, Universidade Aberta, Lisboa, 2003.

Cortesia de UAberta/JDACT

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