quinta-feira, 20 de maio de 2010

Artur Cruzeiro Seixas: Um Poeta. Não um pintor, mas um homem que pinta e que é «absolutamente moderno»


Cortesia de rochasousa

Era um pássaro alto como um mapa
e que devorava o azul
como nós devoramos o nosso amor.

Era a sombra de uma mão sozinha
num espaço impossivelmente vasto
perdido na sua própria extensão.

Era a chegada de uma muito longa viagem
diante de uma porta de sal
dentro de um pequeno diamante.

Era um arranha-céus
regressado do fundo do mar.

Era um mar em forma de serpente
dentro da sombra de um lírio.

Era a areia e o vento
como escravos
atados por dentro ao azul do luar.
Poema de Artur Cruzeiro Seixas
Com a devida vénia a Rocha Sousa e ao seu Desenhamento, Arte Contemporânea, publico algumas frases do seu brilhante texto.
A propósito da Exposição «Tapeçaria e Desenho» no Museu da Tapeçaria de Portalegre - Guy Fino aé ao pf dia 23 de Maio, integrada nas Comemorações do Dia da Cidade de Portalegre.
A minha singela homenagem a Cruzeiro Seixas.

Cortesia de rochasousa
«O artista português, hoje ainda activo e a viver numa residencial de idosos, falou-me há dias dos seus sonhos e das figuras humanas que lhe preencheram os melhores momentos de convívio, com afecto e verdadeiro conhecimento da sua obra. O Surrealismo foi sem dúvida um movimento determinante na história da arte relativa ao século XX. Intenso, inovador, capaz de se desdobrar pelas almas contagiantes, este Movimento também se fracturou em consequência das mudanças de modo e fundamento em todas as grandes transformações do tempo. O que podemos estudar na obra de Cruzeiro Seixas, mentor de outros artistas, é um talento fiel ao rigor e à encenação do espaço. O pintor não era surrealista porque sim, tanto quanto aconteceu no século XX, mesmo quando alguns perdiam o apego ao modo, visando outras experiências, opostas, mas continuando a dizer-se representativos do Movimento, ostentando o seu forte galardão, quer na via caligráfica, quer simplesmente da abstracção, por vezes ciosos de sopros orientais. Ora isso mudava muita coisa. Cruzeiro Seixas, criador das suas composições, morfologias, lendas, oratórias do mito e dos seres intocáveis, sempre se conservou fiel às técnicas que desenvolveu e aperfeiçoou, sempre manteve o seu pensamento alinhado pelos princípios e concepções da estética surrealista. Quase profissional, no sentido desse apego a um jogo certeiro, sem cartas viciadas, ele tem sido um autor de excelência, transportável, sem desgaste maior, para o século XXI».

Cortesia de rochasousa
«Artur Cruzeiro Seixas nasceu em 1920. A sua ligação ao grupo «Os Surrealistas» cobriu a apresentação inicial ao público (colectiva em 1949). Trazia «estranhas esculturas de meias de seda armadas em estruturas de arame». Mas a sua afirmação verdadeiramente significativa aconteceu na área do desenho, escrita inusitada, caligrafia de delicada presença formal. Tratou-se, e durou até hoje, assim o posso dizer, de uma especialidade aparentemente suspensa da própria banda desenhada, antes de ela ser essa verdade cósmica, de superior design, que Alex Raymond nos legou.
Esta imaginária filiação em nada belisca o espírito superior, com outros riscos e outros propósitos, do belo formulário gerido por Cruzeiro Seixas. Ele foi, quase de súbito, surrealista, plástica e poeticamente, na metamorfose que imprimia a muitas das figuras, sujeitando-as ao paroxismo de cenas de violência e crueldade, como referiu José Augusto França. Mas o que importou foi o seguimento gráfico, lírico, poses das citadas encenações operáticas, composições de palco (o plano ou o palco) inventadas com ênfase, formas por vezes inspiradas na poesia de Lautréamont, universos de valor onírico, maior entre os maiores da arte portuguesa dos anos sessenta. Senhor seguro de uma imagética efectivamente invulgar, a dança das linhas modeladoras, neste autor, servem profundas dinâmicas estruturais e uma suavidade algo feminina, desde as anatomias e os adereços ao tipo de musicalidade virtualmente inserida nas cenas e nas «paragens» de cada enquadramento».

Cortesia de rochasousa
«Cruzeiro Seixas em 1951 tomou o rumo de Angola e ali trabalhou no museu de Luanda. Quando voltou a Lisboa foi entendido justamente pelo lado da cultura demonstrada e opções estéticas inspiradas, tendo assim sido director da Galeria S.Mamede, de 1969 a 1974, e a ele se deve uma boa parte do lançamento de autores como Paula Rego, Mário Botas, António Areal ou Cesariny. Os surrealistas portugueses, após alguns endeusamentos e liturgias vindas de França, chegaram a disputar o seu próprio pelouro, defeito próprio de certos radicalismos ao tempo.
Rosemont, escreveu sobre Cruzeiro Seixas e as suas imagens nestes termos: ele é um autor «a quem o mundo deve indiscutivelmente tantos dos mais maravilhosos desenhos das últimas cinco décadas, e é também um dos mais incontestáveis mestres deste Pluriverso em perpétua transformação».


Cortesia de rochasousa
«Estas palavras gravam-se nas imagens aqui expostas. E também nos casos da pintura, com a mesma base de desenho, onde figuras híbridas, em metamorfose, lembram ainda a realidade antropomórfica, barcos de areia e astros como bolas amassadas à beira mar. Tocam, com idêntico sentido, as modelações em tons de terra cota, a visibilidade das ondas, o real aberto diante de nós com o seu fogo petrificante, poses monumentais, um mundo metamórfico e crepuscular, sob atmosferas sensivelmente empurradas pelos ventos, entre seres e coisas e justaposições, força romântica que se atenua pela melancolia do mundo. Esta obra parece elaborar respostas à obra de Rimbaut, no sentido dos encontros, aliás num trajecto de quem deseja em tudo ser sublime, «absolutamente moderno». In Rocha Sousa.
Cortesia de rochasousa
Cortesia de Rocha Sousa no Desenhamento, Arte Contemporânea/Portalegre/JDACT