Cortesia de aarcadoscontos
Parafraseando as palavras de Eça de Queiroz, em 1897, onde afirmou que António Vieira, além de ter sido também grande político, grande escritor, missionário, grande colonizador, envolvido nos maiores negócios, trabalhando pelas maiores ideias da sua época, era um grande orador, cujos sermões arrebatavam tanto a gente inculta do Brasil como encantavam em Roma o sábio e requintado mundo dos prelados romanos, tendo-se a sua fama estendido por toda a Europa.
Segundo António Sérgio: «Se considerarmos o contexto da história política de Portugal na época da Restauração, compreenderemos as razões pelas quais as atitudes e a influência de Vieira na corte de D. João IV inquietaram os ministros do Santo Ofício, que perceberam, desde logo, o potencial inimigo que se escondia na personalidade do jesuíta. A prisão de Vieira pela Inquisição está ligada à sua mensagem política, à sua crítica social e aos seus escritos a favor dos cristãos-novos. No seu Processo é acusado de judaísmo, sacrilégio, blasfêmia e ainda de Ter defendido proposições impregnadas de erros judaicos. Vieira retratou-se. Mas, mesmo depois de absolvido, não abandonou as suas idéias milenaristas nem a defesa da causa dos judeus. Os Inquisidores mantiveram-se atentos, seguindo-lhe cuidadosamente os passos, quando em 1669 partiu para Roma. Vieira levava então um projecto corajoso: desmascarar a poderosa instituição da Igreja: o Santo Ofício».
Vieira enfatizou nos seus textos aqueles pontos que lhe pareciam aberrações da sociedade portuguesa, pelas quais responsabilizava em grande parte a Inquisição: o racismo, o confisco, o ódio incrustado na alma do povo, doutrinado com os sermões dos autos-de-fé. No que diz respeito ao Processo, acusou principalmente o «anonimato» das denúncias, e a ignorância do crime pelo réu. Encontrando-se em Roma e buscando o apoio do Papa, jogou com a sua argúcia, afirmando e mostrando ao Sumo Pontífice que só teoricamente o Tribunal estava submetido à Santa Sé. Desmascarou a falta de protecção legal e de garantias dos prisioneiros, atirados num labirinto, onde tateavam às escuras, sem esperanças e sem retorno. (A «reconciliação» com a Igreja significava para os cristãos-novos «Cárcere e Hábito penitencial perpétuo»).
Cortesia de escritaesociedade
A primeira grande reação moderna a essa deformação imposta ao génio do desabusado e intrépido missionário devemo-la a Otto Maria Carpeaux quando, em 1943, num trecho de Origens e Fins, rebelou-se contra a exclusiva valorização retórica. Movido pelo seu belo inconformismo humanístico, em 1949, em Aspectos ideológicos do padre Vieira, página de importância fundamental na bibliografia crítica da literatura brasileira tanto pela sua densa riqueza de sugestões quanto pela importância de suas indicações, Otto Maria Carpeaux reabria o caminho da revalorização de Vieira. Antônio Sérgio, Antônio José Saraiva, Hernani Cidade e Oscar Lopes, em Portugal; Mary Gootas, nos Estados Unidos; Sérgio Buarque de Holanda, Eugênio Gomes, Afrânio Coutinho e Jamil Almansur Haddad acrescentaram ao estudo de Vieira novas perspectivas, partindo todos da incorporação do conceito do Barroco à crítica vieirista.
Ampliaram-se horizontes. A pesquisa de estilo chegava a altos níveis. Mas o problema Vieira, a problemática cultural que o bravio padre encarnava, ainda continuava inesgotada. Levantava-se o painel histórico em que o sermonista se movimentou, Portugal da Inquisição, América da Colonização, mas Vieira continuava sendo estudado apenas externamente. O contexto cultural dos Seiscentos era moldura, não um conduto. Não penetravam os analistas, prisioneiros da pesquisa formal, na intimidade das forças que a Vieira moveram. Registravam ondulações, vibrações, as curvas do movimento, mas não captavam os imponderáveis de sua lei dialética.
(Padre António Vieira_Sermão 1)Cortesia Reocities/Biblioteca Nacional de Portugal/guesaerrante/FCGulbenkian/JDACT
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