segunda-feira, 22 de novembro de 2010

José Frederico Laranjo: O Acontecimento da Derrota de 1881 no Círculo de Portalegre

Fotografia de Augusto Rainho
Cortesia de Edições Colibri 

A Derrota de 1881

«O acto eleitoral de 1881 foi precedido por uma intensa luta política que adquiriu especial vivacidade no círculo de Portalegre, tendo como pano de fundo as disputas locais que se agudizaram durante a governação progressista. Era natural que o Partido Regenerador, que estivera afastado do poder, jogasse tudo por tudo para alcançar uma vitória eleitoral e assegurar uma confortável maioria no Parlamento...

No círculo de Portalegre, José de Frederico Laranjo apresentou-se de novo como candidato. Era lógico que assim fosse. Prestara contas aos eleitores, como prometera (70), tivera algum protagonismo nos debates parlamentares e consolidara localmente a sua influência. A vantagem que obtivera nas eleições anteriores e os apoios que continuava a ter, asseguravam-lhe, à partida, uma vantagem confortável. No seu manifesto eleitoral, Laranjo justificava a queda do governo progressista e a não realização de todas as promessas anteriormente formuladas, passando em revista as lutas travadas no distrito em 1877 e 1878. Fazia ainda considerações de carácter geral, relembrando os escândalos antigos que provocaram a queda do Partido Regenerador e a chegada ao poder dos progressistas. Curiosamente, nesse documento não há qualquer alusão ao seu opositor.

Cortesia de portugalimagens
Nem um ataque, nem uma leve censura sequer. Qual a razão dessa omissão, desse prudente silêncio?
O Partido Regenerador local estava consciente das dificuldades. O agrónomo Ramiro Larcher Marçal recorda o clima que se vivia e a opção dos regeneradores: «os ânimos em Portalegre achavam-se sobremodo exacerbados pelas controvérsias políticas. O Partido Regenerador estava deveras abalado depois de repetidos revezes, perante a urna eleitoral. Em 1881, ao tratar-se das eleições gerais, o desânimo era grande nas fileiras regeneradoras. O Partido Progressista apresentava a candidatura do Sr. José Frederico Laranjo e reputava-se de antemão certa a sua eleição e o seu triunfo. Era difícil opor-se-lhe um antagonista com possibilidades de vitória. Em tal conjectura, é que foi indicado o nome de Augusto da Fonseca para candidato do Partido Regenerador, depois de previamente consultado e de ter dado o seu consentimento» (71).

Quem era, afinal, o candidato regenerador?

Augusto Maria da Fonseca Coutinho era um jovem de 24 anos, recém-formado em Direito pela Universidade de Coimbra (1879), na própria escola onde Laranjo leccionava. Quais as razões que levaram à sua indigitação? A simpatia poderia ser um factor positivo, a Sua juventude nem tanto; mas as razões fundamentais foram outras - era sobrinho de Luís Xavier de Barros Castelo Branco. A sua candidatura era uma hábil tentativa de neutralizar aquele apoio fundamental do Partido Progressista, colocando-o entre o dilema de se manter fiel ao seu partido ou à sua família. Frederico Laranjo reconheceu, anos mais tarde, a difícil opção que se deparou a Luís Xavier: «… Uma vez encontrámos por antagonista um seu parente, o malogrado Dr. Augusto Fonseca Coutinho; e nessa ocasião deu-nos provas da sua excepcional amizade e da excepcional grandeza do seu carácter, arriscando-se a deixar perder para seu filho a primeira fortuna de Portalegre, para não abandonar na luta as suas ideias políticas e o seu amigo; aquela candidatura dum seu sobrinho por afinidade fora escolhida de propósito para verem se se conseguia separá-lo de nós, colocando-o em colisões e embaraços; queremos ver, diziam os adversáríos, como que o Luís Xavier descalça esta bota; e ele soube do dito, sorriu e respondeu vou mostrar-lhes como a descalço; e entrou a pedir votos de porta em porta na cidade e no campo, o que não costumava fazer; procedia assim porque, por considerações para com sua esposa, tínhamos favorecido um despacho dum irmão do nosso antagonista, o que desagradara ao nosso partido; ele não pedira nada; mas julgava-se obrigado a uma gratidão que os mais próximos não tinham; e o cálculo que supunha em tudo aquilo indignava-o; encontrando-o numa aldeia próxima da cidade nesta faina eleitoral, no verão, pela hora de maior calma, o então chefe do partido regenerador no distrito exclamou: que grande amigo e que admirável carácter!» (72).

Cortesia de bibdigitalfduce
Augusto Maria da Fonseca Coutinho nascera em Portalegre a 17 de Novembro de 1857, no seio de uma família de linhagem antiga, com importantes bens na região. o avô, Luís Freire da Fonseca Coutinho, fora desembargador do paço seu pai, João da Fonseca Coutinho fixou-se em Portalegre por volta de 1836, sendo uma personalidade bem conhecida na época. Nascido em l8l2, Moço Fidalgo por mercê de D. João VI, estudou Humanidades no Real colégio das Artes de Coimbra e frequentou os dois primeiros anos de Direito e Matemática na Universidade daquela cidade. A guerra civil levou à interrupção dos estudos, partindo João da Fonseca Coutinho para Paris, em 1832, e só regressando finda a Guerra Civil. Em Portalegre converteu-se numa figura prestigiada e influente.

Foi presidente da câmara ou vereador de 1842 a 1873, com excepção do biénio de 1862-4, e deputado pelo mesmo círculo de 1857 a 1864. Desempenhou ainda os cargos de provedor da Misericórdia local e de Procurador à Junta Distrital. Faleceu a 19 de Abril de 1881, no mesmo ano em que se realizaram as eleições legislativas a que seu filho iria concorrer. Quanto a Augusto Maria da Fonseca Coutinho, concluíra a formatura em Direíto na Universidade de Coimbra - onde foi aluno de Laranjo... - a 10 de Junho de 1879, com 2l anos de idade. Naquela cidade colaborou na Literatura Ocidental - tal como o seu professor - e redigiu O Mosaico, juntamente com Sérgio de Castro, Magalhães Lima e o visconde de Monsaraz. Filiou-se então no partido Regenerador. Regressou a Portalegre, onde instalou banca de advogado num escritório que partilhava com o Dr. Francisco Lopes de Azevedo Coelho de Barros Castelo Branco. Em 1880 fez concurso para delegado do procurador Régio, alcançando elevada classificação. Era este o adversário que Frederico Laranjo devia enfrentar.

Cortesia de allentejo

Augusto da Fonseca imprimiu à sua campanha um cunho diferente do que caracterizava habitualmente as pugnas eleitorais, utilizando uma linguagem não agressiva, em contraste flagrante com a prática de alguns dos seus correligionários. Veja-se, como exemplo, o folheto anónimo, mas certamente da responsabilidade do Centro Regenerador local, publicado em 1880 como resposta ao manifesto de José Frederico Laranjo. Para além dos habituais ataques a Temudo de Oliveira, era pródigo em insultos ao deputado progressista, classificado de «palhaço de Castelo de Vide» e de «imbecil que infunde comiseração»; o manifesto não passava de «rosário de baboseiras» - «o vosso deputado estourou mais uma vez girândolas de tolices; a montanha pariu mais um microscópio ratinho – um novíssimo original opúsculo! para os momentos críticos, difíceis, da sua tristíssima existência política, tem sempre Laranjo de reserva esta tábua de salvação, a que se agarra freneticamente, alucinadamente» (73). Augusto Maria não pactuou com esta tradição, repudiando e rompendo com a prática insultuosa, que era comum a todas as formações. No seu manifesto aos eleitores, «extremamente modesto e simples, proclamando a moderação como norma de proceder» (74), fazia um compromisso de honra: «Como deputado local hei-de esforçar-me por seguir as tradições do meu pai, porque no meu coração me orgulho quando ouço fazer a história das suas dedicações. Como ele, não quero a política para interesses mesquinhos; quero-a para promover, quanto em mim cabia, o bem estar do círculo que é a minha pátria. Bem esquecido tem ele andado, nos anos em que o representaram indiferentes e naqueles em que foi representado por apaixonados; tão inúteis uns como outros!

Cortesia de grupolena
Não venho falar de guerra: a paz é o campo onde mais contentamente vive o meu espírito; não venho atiçar ódios nem vinganças porque tendo o direito de protestar contra os abusos, sei que há leis, sei que há moral, sei que há educação, e estas são as minhas armas, e com elas combaterei usurpações e arbitrariedades» (75). Se é verdade que Frederico Laranjo, que já surgia nessa época como o virtual chefe do partido no distrito (76) - se absteve de ataques pessoais, o Partido Progressista não podia ficar indiferente, publicando um «Manifesto aos honrados eleitores do Círculo de Portalegre», que não é assinado, mas que se vê ser da responsabilidade do centro progressista local: «O centro progressista (...) resolveu apresentar mais uma vez, como candidato a deputado por este círculo, o Dr. José Frederico Laranjo. A sua candidatura honra-nos tanto quanto a do candidato do governo, oposto àquele cavalheiro, é risível. O candidato neste círculo pelo governo, Augusto da Fonseca, não passa de um bom moço vindo há dois dias de Coimbra, sem experiência da vida nem dos negócios públicos; que ainda não revelou aptidões de espécie alguma, nem muita gente dá esperanças disso; é um discípulo carregado de RRR a combater o mestre ilustre por paga de grandes benefícios recebidos. Está travada a luta. Os RRR de um tão fraco discípulo não hão-de fulminar os talentos do mestre! O Sr. Augusto da Fonseca não escalará por estes ganchinhos as fortalezas progressistas, fazendo seu prisioneiro de guerra o esclarecido lente da Universidade» (77).

Os regeneradores triunfaram a nível nacional - era habitual, no rotativismo, a vitória de quem estava no governo... -, e em Portalegre Augusto Maria da Fonseca Coutinho, o «bom moço vindo há dois dias de Coimbra, sem experiência da vida nem dos negócios públicos» também ganhou as eleições por uma margem escassa, é certo, apenas 27 votos, mas suficiente para tal. As qualidades pessoais, as ligações familiares e a moderação utilizada, contrastando com a violência habitual, tiveram os seus frutos. «O resultado da luta foi-lhe favorável e a vitória sua, sendo eleito em 2l de Agosto de 1881 deputado pelo antigo círculo de Portalegre para a legislatura de 1882-84 (78).

Cortesia de maludaumnomundoeu
A acção de Augusto da Fonseca Coutinho no Parlamento teve reflexos na sua região. Na legislatura de 1882-4 integrou as comissões parlamentares de Reforma Eleitoral e do Centenário do marquês de Pombal, intercedeu a favor da instalação de um hospital em Avis, na venda de terrenos da Câmara Municipal de Castelo de Vide e apoiou o pedido da Câmara Municipal de Arronches no sentido de não continuar a suportar as despesas com os professores da instrução primária. Mas o acto que mais marcou a sua passagem pela Câmara dos Deputados foi a criação de uma escola de desenho industrial em Portalegre. O ministro António Augusto de Aguiar elaborara um projecto que previa a instalação de escolas em diversas localidades, mas não em Portalegre. Augusto Maria insistiu e conseguiu que a sua cidade fosse contemplada com um estabelecimento de ensino que ainda hoje existe noutro local e com outro nome - é a Escola Secundária de São Lourenço. Em 1884 foi nomeado Governador Civil de Angra do Heroísmo, cargo que desempenhou de 20 de Novembro daquele ano a 5 de Novembro de 1885. Razões de saúde levaram-no a solicitar transferência para o Continente. Foi ainda Governador, Civil de Bragança de 5 de Novembro de 1885 a 25 de Fevereiro ao ano seguinte, sendo então demitido pelo novo governo progressista. Retirou-se para Portalegre, onde chefiou o Partido Regenerador até à sua morte, ocorrida a 1 de Novembro de 1887, quando contava apenas 30 anos de idade». In José Frederico Laranjo, Colecção de História Regional, Edições Colibri, ISBN 972-8288-48-4, Lisboa, Novembro de 1996 (Obra adquirida no Turismo de CV, 2002)
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(70) A 5 de Outubro de 1879, Laranjo convidava os eleitores de Portalegre, através de um panfleto, «em desempenho do que prometera no manifesto de 23 de Setembro de 1878 (...) a reunirem-se no dia 9 do corrente, pelas 7 horas da noite, na casa do Exm.º Sr. Presidente do Centro Progressista, a fim de dar conta do que se fez na sessão legislativa passada, da parte que tomou nela, e na direcção dos negócios deste círculo». Folha solta pertencente à colecção do autor.
(71) Ramiro Larcher Marçal, «Dr. Augusto Maria da Fonseca Coutinho», o Distrito de Portalegre, nº 185, de 9 de Novembro de 1887, p. l.
(72) José Frederico Laranjo, À Memória de Luís Xavier de Barros Castelo Branco _ Biografia e Impressões de alguns Amigos, Portalegre, Tipografia Leonardo, 1908, p. 14.
(73) Aos Eleitores Progressistas do Círculo de Portalegre, Portalegre, 1880, folheto sem indicação do autor e da casa impressora, pp. 1 e2.
(74) Ramiro Larcher Marçal, artigo cit.
(75) Manifesto «Senhores Eleitores do Círculo de Portalegre», datado de 20-8-1881. Folha solta pertencente à colecção do autor.
(76) Assim o demonstra a sua participação nas reuniões nacionais de 2 e 4 de Junho de 1881, em Lisboa onde secretariou Manuel de Jesus Coelho. Correio da Noite, 3-6-1881, p. 1 e 5-6-1881, p. 1
(77) «Manifesto aos Honrados Eleitores do Círculo de Portalegre», folha solta pertencente à colecção do autor.
(78) Ramiro Larcher Marçal, artigo citado.

A amizade de AV.
Cortesia de Augusto Rainho/Edições Colibri/JDACT