sábado, 27 de novembro de 2010

O Pensamento e as Interpretações: Parte XIII. «Lançar a melhor carta na baralha talvez é treta de jogador; esconder com indústria o com que melhor se pode ganhar, nunca foi consequência de perder. Que importa que no jogo seja o rei a melhor carta, se talvez porque as espadas são trunfo, não faz a figura vaza?»

Cortesia de almedina

A Roda da Fortuna
«Não se move a roda, sem que a parte que virou para o céu seja maior repuxo para tocar na terra, e a parte que se viu no ar erguida se veja logo da mesma terra pisada, sem outro impulso para descer, mais que com o mesmo movimento com que subiu; por isso a fortuna fez trono da sua mesma roda, porque, como na figura esférica se não conhece nela primeiro nem último lugar, nas felicidades andam sempre em confusão as venturas. Na dita com que se sobe, vai sempre entalhado o risco com que se desce. Não há estrela no céu que mais prognostique a ruína de um grande, que o levantar de sua estrela. Mais depressa se move aos afagos da grandeza que nos lisonjeia, do que aos desfavores com que a fortuna nos abate.
Quanto trabalharam os homens para subir, tantas foram as diligências que fizeram para se arruinarem; porque, como a fortuna (falo com os que não são beneméritos) não costuma subir a ninguém por seus degraus, em faltando degraus para a descida, tudo hão-de ser precipícios; e diferem muito entre si o descer e o cair. Se perguntarmos o por que caiu Roma, o maior império do Mundo, dir-nos-á seu historiador que foi porque cresceu muito; e com efeito acabou de grande, e as mesmas mãos que a edificaram, essas mesmas a desfizeram. Sem mãos se arruinou aquela estátua de Nabuco, porque a mesma grandeza não necessita de mãos, mas só de si para se arruinar. Em um monte de glória onde assistiu Cristo, se formaram estas glórias dos raios do Sol e da brancura da neve, para que, desfazendo-se a neve com o sol, se desfizessem umas glórias com outras; porque não depende a grandeza, para a ruína, mais que de si mesma, e quando falte quem as acabe, elas mesmas se consomem». In Citações e Pensamentos de padre António Vieira.

Cortesia de joaojosemarques

A Inveja é a Espada que Mais Corta
«Lançar a melhor carta na baralha talvez é treta de jogador; esconder com indústria o com que melhor se pode ganhar, nunca foi consequência de perder. Que importa que no jogo seja o rei a melhor carta, se talvez porque as espadas são trunfo, não faz a figura vaza? A inveja é a espada que mais corta, e está esta carta de espadas levantada, desde que no jogo da fortuna se levantaram sujeitos. Esconder, pois, a melhor figura, será a melhor prudência para que ganhe a seu tempo. (...) Encobrindo a terra seus metais e ocultando o mar suas pérolas, granjeia em nossa estimação maiores admirações. O mesmo coral, que por baixo da água é buscado pelo seu valor, quando já descoberto, parece que, de corrido, se torna vermelho. É melhor que luzir em todo o tempo, o luzir somente a tempo; assim se enganam os olhos da inveja, e assim se concilia nos ânimos a estimação. Destes temperilhos necessita a fortuna, para se conservar sempre próspera, e de tal maneira que, como o seu curso é em roda, e no esférico não há primeiro nem último lugar, pode o último vir a ser o primeiro, e o primeiro vir a ser o último». In Citações e Pensamentos de padre António Vieira.

Cortesia de auladeliteraturaportuguesa

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