quarta-feira, 30 de agosto de 2023

Constança. Isabel Machado. «Cismais senhora? Sorri-lhe., desajeitada. Acreditava que sim, que cismava sempre demasiado. Perdoai o alheamento, apenas aparente»

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«(…) Pêro Coelho, hábil e erudito conselheiro do monarca, aceso defensor do interesse de Portugal, acenou em concordância e apresentou os argumentos favoráveis à ideia do rei. Que se fizessem provas aos que exerciam as profissões da saúde. Falsos físicos e cirurgiões arrancavam dentes, cortavam a carne e amputavam membros com a ligeireza de um talhante. As ruas da cidade viam-se pejadas de incapacitados e rara era a família do povo que não contava algum cadáver saído das mãos dos impostores.

Devem ser submetidos a rigorosos exames, adiantou Álvaro Gonçalves, meirinho-mor do reino, magistrado e conselheiro próximo do monarca, conhecedor das populações, que percorria constantemente.

Centralizados, frisou bem o monarca, usando uma das palavras que lhe eram mais caras. Aqui mesmo, em Lisboa. Nomearei físicos da corte, de comprovada ciência, para os realizar. Entregou o rascunho aos seus homens de mão.

Dai-lhe forma de lei e trazei-me a versão final, ordenou. Depois reuniu os documentos já prontos e passou-os a um escrivão para que fossem selados. Afonso manteve-se em silêncio enquanto observava a cera vermelha derretida a pingar sobre a fita que pendia do pergaminho, a certificação de que haviam saído da chancelaria real as novas ordens. Finalmente, o selo régio moldou a sua imagem na cera, ostentando a cruz composta por cinco escudos e rodeada por doze castelos.

É tudo?, perguntou o monarca, vendo chegar ao fim a resma de documentos sobre a mesa.

Ouvia distraidamente, contrário ao seu costume. Afonso IV tinha o corpo ali, na administração do reino, mas os pensamentos mais profundos estavam nas relações externas. Havia algum tempo que enviava mensageiros e ouvintes pela Península, a par da correspondência que ele e Beatriz nunca abrandavam, para que nenhum acordo fosse firmado sem que dele soubesse o rei de Portugal.

E para que nenhum segredo fugisse ao seu conhecimento.

Castelo de Penñfiel, Castela

Cismais  senhora? Sorri-lhe., desajeitada. Acreditava que sim, que cismava sempre demasiado.

Perdoai o alheamento, apenas aparente. Concentrava-me na música, respondi-lhe com cortesia, sem laivos dos ademanes que se esperavam das damas nestes tempos de trovas e enamoramento cortesão. Álvaro Nuñez elevou os olhos escuros, pousando-os nos músicos tocando instrumentos de cordas que animavam o nosso banquete. Acenou em concordância: Excelente grupo. Vosso pai mantém-se o melhor anfitrião de Castela». In Isabel Machado, Constança, A Princesa traída por Pedro e Inês, 2015, A Esfera dos Livros, 2015, ISBN 978-989-626-718-6.

Cortesia de EdLivros/JDACT

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