«(…) Fico para ver. O céu embrulhou e caiu noite prematura. No silêncio adormecido das margens do rio, de ruelas e largos da cidade, soam as sete no sino da catedral e logo, como surgida do nada, uma correria de tochas, brandões, luzeiros dão em entrar pela sé, em invadir a Sint-Pauluskerk, a Sint-Elisabethkapel, a Sint-Iacobkerk, a Sint-Niclaaskapel. Noite de pilhagem e destruição desenfreadas. As imagens dos santos apeadas de seus nichos vêm fazer monte com pinturas, retábulos, saltérios, missais, estantes, alfaias e paramentos litúrgicos nas fogueiras dos adros. Ainda tentam os chefes religiosos calvinistas pôr freio à voragem. Impotentes, são desacatados, e o desmando. o saqueio iconoclasta em breve, nos dias que se seguem, alastra a Armentières, a Ypres, a Gand, à Zeeland, à Friesland, à Holland…
Nem o erguerem-se, dia a dia, na
serra de Guadarrama, sombrias paredes e torres do Escorial, palácio, mosteiro,
igreja, cripta de panteão, amaina a fúria do rei Felipe: Não tolerarei o alagar
da heresia. Não tolerarei a profanação dos templos. Os Países Baixos não
afrontarão a minha autoridade. Que está a fazer minha irmã Margarita mais o cardeal
Granvelle? E esse príncipe católico, Guillermo de Orange a quem nomeei
estatúder dessas terras?
Eu permitir-me-ia, Majestade,
sugerir... Que sugeris vós, senhor ministro? ... que envieis para lá, com total
poder, à frente de homens escolhidos, um anjo exterminador... Quem? Fernando Álvarez
de Toledo, duque de Alba.
O sopro de quase um ano e
cavalga, caminho de Bruxelas, o general mais as suas tropas aguerridas,
dezassete mil soldados, acompanhados de duas mil mancebas. homens habituados às
vitórias, ao esbulho, ao estupro, à matança. regimentos lombardos, sardos,
napolitanos, comandados por generais experientes, Gonçalo Bracamonte, Julián
Romero, Sancho Lodrón, Alfonso Ulloa e o próprio filho do duque, Fradique Toledo.
Vem aí a chacina, senhores, diz
Margarita Parma aos conselheiros. Não serei conivente em violência e crime.
Regressarei a Itália». In Fernando Campos, O Lago Azul, Difel,
2007, ISBN 978-972-290-874-0.
Cortesia de Difel/JDACT
JDACT, Fernando Campos, 18º Rei de Portugal, dom António Prior do Crato, Genebra, Conhecimento, Literatura, História,