«(…) De rajada,Antwerpen. Não espero que me abram a porta acastelada da muralha. Voo por cima' Os ânimos, a revolta prestes a estourar. Os sábios teólogos calvinistas, que se arrogam reformar o mundo, vão entrar em acção.
Dia de São Nunca, Herr Doktor. Os
papistas não encontraram ainda patrono para o dia dezanove de Agosto… e, como
nós não admitimos o culto dos ditos santos… Bem escolhido, sim senhor, Doktor
Hendrich. Por onde começamos?
A catedral ao cair da tarde será nossa.
O sacristão não terá tempo de fechar as portas. Todos avisados? Somos multidão: professores,
políticos, imprimidores, comerciantes, artistas... E os luteranos? E os anabaptistas?
Fechados em suas conchas com os iniciados.
Não desejam participar no que consideram violência… Mas o povo está connosco. O
povo está com eles! Isso é o que eles pensam' Não contam com o fervilhar da
turba ignorante dos mesteirais. Escorro e rodopio pelos cais do Scheldt, por estaleiros
e armazéns de feitorias, por tabernas da Kipdorp, da Lange Nieuwstraat, da via
Caesarea, a espreitar trechos de conversas sussurradas, olhares de conluio, que
a novidade do assalto calvinista depressa correu.
Dia de São Nunca, Meister Peter, segreda
o petintal Franz à orelha do calafate, por debaixo da aba larga do chapéu
preto. Meister Peter olha em redor antes de falar em voz baixa: A que horas? Ao
soar das sete da tarde no sino da sé.
Gralham estridentes os guindastes
com seus cadeados, suas rodas, seus
falcões, gemem cabrestantes a erguer âncoras, piam gaivotas à volta dos mastros
ou no colher das redes de peixe, fervem as taracenas no afã de carpinteiros,
almoxarifes, arrais, obreiros, e abafam as vozes da insurreição. O carregador
Adrian pára com sua carroça de centeio à boca de um armazém. Aproximam-se os
moços da descarga.
Mexei-me esses pés e esses braços,
rapazes. Hoje à noite será outra a vossa tarefa. Hoje à noite, Adrian?
Os chefes calvinistas vão tomar
as igrejas dos católicos e nós vamos aproveitar... Iacob Tac pousou o copo de
vinho sobre a mesa, os olhos vagos, vidrados, a atravessar parede para além de
pipas e vasilhame:
Do báculo de Sint Niclaas hei-de
fazer um bastão. Ides ver, companheiros. Hei-de fartar-me de lhes dar porrada, e
ria, as bochechas inchadas, vermelhas. Eu hei-de apanhar o cálice de ouro do
bispo. E eu a custódia cravejada de diamantes. E eu, diz Franz Maes, tintureiro
de tapeçarias, hei-de roubar os brincos de Sint Aldegonde para dar à minha
Margaret.
Nos bairros pobres, mulherezinhas
embiocadas de negro tecem seus planos. Vou mas é direita à caixa das esmolas, assevera
a senhora Henriette. ‘nha mãe, pode ser
para mim o anel de Sint Brigit?» In Fernando Campos, O Lago Azul, Difel,
2007, ISBN 978-972-290-874-0.
Cortesia de Difel/JDACT
JDACT, Fernando Campos, 18º Rei de Portugal, dom António Prior do Crato, Genebra, Conhecimento, Literatura, História,