terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Idade Média. Umberto Eco. «Mas enquanto o império do Oriente permanece como Estado centralizado, embora com diversas vicissitudes e até com uma notável redução territorial no decurso do século VII…»

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Da Queda do Império Romano do Ocidente a Carlos Magno

Tendências secessionistas

«São sintomáticas deste estado de coisas as revoltas dos bagaudas, uma série de movimentos de revolta que se prolongam, com diversas fases agudas, entre os séculos III e V na zona gaulesa, da destruição de Autun (269) e intervenção militar de Maximiano (c. 240-310, imperador desde 286) às explosões de violência periódicas no século V e, por fim, o derradeiro episódio conhecido, a sua derrota, infligida em 453-454 pelo visigodo Frederico.

As revoltas dos bagaudas são nitidamente de carácter étnico: o próprio nome parece ter origem céltica, e o movimento caracteriza-se pela forte reivindicação de uma identidade indígena e rural contraposta à cultura urbana romanizada.

Reorganização do poder

Além disso, é frequentemente o próprio poder imperial que procede à repartição de territórios por diversas figuras reinantes, embora em graus diversos, dada a dificuldade de governar o império como uma unidade e de responder às especificidades, cada vez mais acentuadas, de macrorregiões diferentes (torna-se, principalmente, forte a diferença geral entre o Oriente e o Ocidente). Depois de a tetrarquia de Diocleciano (243-313, imperador de 284 a 305) se ter ocupado desta repartição, não só com a divisão do império em quatro partes mas também com a reestruturação do sistema das províncias e a sua articulação nas dioceses e nas prefeituras com o pretório,  estrutura piramidal que permite um melhor conhecimento das especificidades locais, quer nas micro quer nas macro-áreas, Constâncio II (317-361, imperador desde 337) decide nomear césares, primeiro, Galo e, depois, Juliano, consciente de que um poder central é de gestão difícil e favorece o aparecimento de usurpações.

Em seguida, Valentiniano I (321-375, imperador desde 364) é responsável por uma verdadeira repartição do império ao associar ao poder o seu irmão Valente (328-378, imperador desde 364), a quem confia o governo do Oriente para manter o domínio do Ocidente. A historiografia mostra cada vez mais como esta repartição, que já prefigura a grande cisão do império de 395, cria de facto duas verdadeiras realidades institucionais, em que, por exemplo, a promulgação de uma lei numa das partes não implica a sua automática validade na outra e os exércitos são transferidos de uma parte para a outra em caso de necessidade, mas mediante um pedido específico de ajuda, como se fosse outro Estado a pedi-la, conforme acontece durante as invasões góticas de 378, quando o exército ocidental, conduzido por Graciano, é mobilizado a pedido de Valente, mas não chega a tempo de impedir o desastre de Adrianópolis. Convém, portanto, atribuir um peso muito menor ao gesto de Teodósio (347-c. 395, imperador desde 379) que, prestes a morrer, deixa o império aos seus dois filhos: o Ocidente a Honório (384-423, imperador desde 393), o mais novo, sob a orientação de Estilicão, e o Oriente a Arcádio, o mais velho (377-c. 408, imperador desde 383). A ideia de Teodósio não é, pois, muito diferente da de Valentiniano, tanto mais que é dito explicitamente que o império continua a ser apenas um, divisis tantum sedibus.

O que realmente assinala uma viragem é a falta de aceitação no Oriente da supervisão de Estilicão, talvez desejada pelo próprio Teodósio sobre ambas as partes, que cria uma situação de conflito, e até armado, entre as duas metades e a ausência, deste momento em diante, de uma figura que reúna ambas as coroas na sua pessoa.

A instalação dos bárbaros

Mas enquanto o império do Oriente permanece como Estado centralizado, embora com diversas vicissitudes e até com uma notável redução territorial no decurso do século VII, em consequência das invasões árabes, a desagregação é rápida no Ocidente. Em 410, o ano em que as dificuldades políticas e militares do Ocidente conduzem ao saque de Roma por Alarico (c. 370-410, rei desde 395), é decidido abandonar a Britânia, que, entregue a si própria, não tarda a ser invadida por anglos, saxões e jutos (a partir de 449); estes, recebidos talvez pelas populações locais com base num pacto análogo aos que Roma firma na Europa continental, facilmente podem instalar-se neste território privado de autoridade estatal organizada». In Umberto Eco, Idade Média, Bárbaros, Cristãos, Muçulmanos, Publicações dom Quixote, 2010-2011, ISBN 978-972-204-479-0.

Cortesia de PdQuixote/JDACT

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