Roberto Antunes Palma Lobo, 1881-1916
«Ao terminar a leitura deste
caso, julguei que o contributo do médico inglês para a minha investigação
terminara ali. Engano meu. O caso seguinte era a descrição do recém-nascido, em
especial dos seus inesperados atributos físicos. Roberto Antunes, o primeiro homem
da estirpe dos Palma Lobo, era dotado de um pirilau enorme.
Há mais de vinte anos que
conhecia Salvador, e já o vira nu em muitas ocasiões, desde banhos de mar a
aventuras de grupo com mulheres. Portanto, sabia que Salvador era um privilegiado
da natureza. Julgo mesmo que a origem da sua felicidade era uma alegria primária
e básica que lhe vinha do facto de ter o sexo poderoso e generoso. Ao longo da
vida, desde a adolescência, Salvador aproveitara a vantagem que tinha sobre os
outros homens. O seu pénis era motivo de ciumeiras e zangas entre raparigas.
Houve épocas em que elas faziam fila para poderem tocar naquele magnífico
exemplar, naquele totem da virilidade. E ele satisfazia-lhes a curiosidade.
Sim, eu sabia disso. O que eu não
sabia era que esse património era hereditário, um sinal de família, um dote do
sangue e da genética. Só ao ler o relato do dr. Charles Scholes, descrevendo o
enorme e escuro membro de um recém-nascido que viera ao mundo em 1881, é que
compreendi a génese do orgulho sexual do meu amigo.
O médico inglês, que seguira a
saúde da criança até ela ter três anos, idade com que foi enviada para Portugal
para casa de uma avó, ficara impressionado pelo tamanho invulgar do músculo
masculino do pequenino Roberto Antunes Palma Lobo. Descrevia-o como uma
anormalidade numa criança tão jovem. E acrescentava que dispunha de fáceis
reflexos, ficando erecto com rapidez.
Contudo, as novidades não se limitavam
a esta observação. O dr. Charles Scholes reconhecia que fora devido a este
inesperado facto que se esclarecera a misteriosa gravidez de Efigénia. Quando,
umas semanas depois da morte da mãe, voltara à casa para examinar a saúde do
bebé, o inglês ouvira uma criada negra, que amamentava o menino, comentar que com
um pénis daquele tamanho ele só podia ser obra do Kalanga, um criado que
trabalhava nos jardins da casa. O rapaz, um negro de vinte e tal anos, era alto
e viçoso, falava mal o português e começou por negar ao médico que tivesse
cometido qualquer pouca-vergonha com dona Efigénia, que Deus a tinha. Além
disso, o bebé era branco como a mãe, e, portanto, não podia ser filho de um
negro. Quem não ficou satisfeita com esta explicação foi a velha criada, que espremeu
o Kalanga até ele acabar por reconhecer o que fizera a Efigénia.
Na noite da trágica morte de
Roberto Carvalho Lopo, quando ele chegara gravemente ferido a casa, Efigénia
passara várias horas desmaiada, devido à comoção. Ficara deitada na cama do seu
quarto, longe da sala, onde estavam os outros criados. A janela do quarto
estava aberta, pois fazia muito calor nessa noite. O Kalanga vira a patroa
deitada, seminua e sem sentidos, e subira-lhe uma urgência pelo corpo. Entrou
no quarto e, de forma apressada, baixou as calças e entrou dentro da patroa
desmaiada, que nem se mexeu. O acto foi rápido, mas pelos vistos suficiente
para deixar uma semente nas entranhas de Efigénia. O mistério da sua gravidez
impossível estava resolvido.
Afinal, Efigénia não era uma
adúltera aldrabona, como o outro livro a descrevia, e fora mesmo violada,
engravidando enquanto estava desmaiada, e morrendo sem saber quem era o pai da
criança. Porém, talvez o dr. Scholes não tivesse contado oralmente a história
da mesma forma que a escrevera, pois o episódio comentava-se anos mais tarde
como uma anedota, sendo a senhora descrita na sátira local como a Desmaiada.
Pouco mais havia a fazer em
Moçambique. Aproveitei os últimos dias na cidade para visitar o cemitério onde
estavam enterrados Efigénia Palma e Roberto Lobo, lado a lado, como marido e
mulher que sempre foram em vida. Tirei umas fotografias à campa para juntar ao
meu trabalho e, na tarde desse mesmo dia, ainda consegui visitar a casa
apalaçada onde os trisavôs de Salvador tinham vivido e morrido, e cujos
proprietários eram agora uns sul-africanos. Fotografei o quarto de Efigénia, que
dava para o jardim, tendo em primeiro plano a grande janela por onde entrara o
furtivo Kalanga, para possuir em segredo uma mulher desmaiada, sem saber que
com esse acto fundava uma estirpe nova e endiabrada, os Palma Lobo, brancos com
sangue negro, marcados para sempre por enormes pénis, que ao longo das suas
existências lhes iriam dar tanto profundas alegrias como cavadas tristezas...
São agora onze da noite neste
hospital de Lisboa, onde aguardo com tranquilidade a chegada do fim da vida do
meu melhor amigo Salvador. Está muito calor e não sei mais quanto tempo vou ter
de esperar. As enfermeiras de batas verdes vão passando por mim e dizem: Não há
novidades... Nada? Nada». In Domingos Amaral, Já Ninguém Morre de
Amor, Oficina do Livro, 2008, ISBN 978-972-461-802-9.
Cortesia de OficinadoLivro/JDACT
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