«Paramos, por fim, em frente à porta principal da abadia, onde fui recebido gentilmente pelo subprior, um monge jovem e sério, de nobre aspecto, e, sem dúvida, de sublime berço, pelo que pude deduzir de suas maneiras e andares; introduziu-me com presteza na muito bela casa do abade. Também este e o prior me receberam de maneira muito correcta, notava-se que eram pessoas importantes, acostumadas a receber visitantes ilustres; mas mostraram-se ainda muito mais acolhedores e gentis quando me viram sair de minha nova cela vestindo o mais parecido ao hábito mauriciano que puderam encontrar sem transgredir o respeito devido à sua Regra:túnica branca até os tornozelos com capa, sem escapulário nem cinto; e para os pés, sandálias de couro cru, muito diferentes das deles, fechadas e pretas.
Passeando pelo claustro,
verifiquei que aquelas vestes eram apropriadas para o frio, muito mais quentes que
meu gibão de mangas largas e minha túnica, de maneira que meu corpo endurecido,
acostumado a grandes rigores, se acomodou rapidamente àquela roupa que, dali em
diante, seria a minha.
Aproximava-se o Inverno, e,
embora em Ponç de Riba a neve não seja coisa rara, aquele ano foi especialmente
duro, não só para o campo e as colheitas, mas também para os homens. A véspera
de Natal nos pegou, aos habitantes do mosteiro, sitiados por um interminável
manto branco. Durante as semanas que se seguiram à minha chegada, procurei, dentro
do que me foi possível, permanecer à margem da vida e das intrigas do mosteiro.
Embora de índole diferente, também nas capitanias dos Cavaleiros hospitalários
ocorriam situações de profunda tensão por motivos quase sempre triviais… Um bom
abade, ou um bom prior, como também um bom mestre ou um bom senescal,
distinguem-se exactamente pelo controle que exercem sobre sua comunidade,
evitando esses problemas.
Meu distanciamento da vida do
mosteiro, contudo, não podia ser total, visto que, como monge hospitalar, devia
estar presente aos ofícios religiosos comunitários, e, como médico, passava
algumas horas por dia no hospital, em contacto com os irmãos doentes.
Naturalmente, eu evitava os capítulos,
que eram assunto privado, e em absoluto era obrigado a realizar tarefa alguma
que não fosse de meu agrado. Laudes, Prima, Tertia, Sexta, Noa, Vésperas e Completas
regulavam meu horário quotidiano de estudo, almoço, passeio, trabalho e sono,
com precisão matemática. Às vezes, vítima da inquietude e da saudade de minha
distante ilha, eu rondava incansavelmente pelo claustro contemplando seus singulares
capitéis, ou subia à torre da igreja para fazer companhia ao noviço vigia, ou
ainda caminhava sem destino entre a biblioteca e a sala capitular, entre o
refeitório e os dormitórios, também entre os banheiros e a cozinha, em uma
tentativa de serenar meu ânimo e aliviar a urgência que sentia, por fim, aquele
a quem eu havia baptizado, no meu íntimo, como Jonas; não o Jonas que entrou assustado
no ventre da baleia, mas o que saiu dele livre e renovado.
Certo
dia, durante a prece, escutei entre os cantos uma tosse infantil e cavernosa
que me sobressaltou: não fosse pelo facto de aquela tosse não ter saído de meu
peito, eu poderia jurar que eu mesmo pigarreava e sufocava. Olhei activamente
em direcção à parte onde, sob o atento olhar do muito paciente irmão ama-seca,
os pueri oblati acompanhavam
a liturgia entre bocejos, mas não pude distinguir mais que um grupo de
inquietas e minúsculas sombras; a nave estava mergulhada em trevas, iluminada
apenas por algumas dezenas de círios». In Matilde Asensi, Iacobus, Aventura dos
Templários no Caminho de Santiago, 2000, Editorial Planeta, 2006, 2013, ISBN
978-854 220-274-8.
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