(1901-1964)
Cortesia de vejaabril
Canção Póstuma
Fiz uma canção para dar-te;
porém tu já estavas morrendo.
A Morte é um poderoso vento.
E é um suspiro tão tímido, a Arte...
É um suspiro tímido e breve
como o da respiração diária.
Choro de pomba. E a Morte é uma águia
cujo grito ninguém descreve.
Vim cantar-te a canção do mundo,
mas estás de ouvidos fechados
para os meus lábios inexatos,
- atento a um canto mais profundo.
E estou como alguém que chegasse
ao centro do mar, comparando
aquele universo de pranto
com a lágrima da sua face.
E agora fecho grandes portas
sobre a canção que chegou tarde.
E sofro sem saber de que Arte
se ocupam as pessoas mortas.
Por isso é tão desesperada
a pequena, humana cantiga.
Talvez dure mais do que a vida.
Mas à Morte não diz mais nada.
Cecília Meireles, in «Retrato Natural»
(1904-1984)
Cortesia de clubefansteresatarouca
Fui Pedir um Sonho ao Jardim dos Mortos
Fui pedir um sonho ao jardim dos mortos.
Quis pedi-lo, aos vivos. Disseram-me que não.
Os mortos não sabem, lá onde é que estão,
Que neles se enfeitam os meus braços tortos.
Os mortos dormiam... Passei-lhes ao lado.
Arranquei-lhes tudo, tudo quanto pude;
Páginas intactas — um livro fechado
Em cada ataúde.
Ai as pedras raras! As pedras preciosas!
Relâmpagos verdes por baixo do mar!
A sombra, o perfume dos cravos, das rosas
Que os dedos, já hirtos, teimavam guardar!
Minha alma é um cadáver pálido, desfeito.
As suas ossadas
Quem sabe onde estão?
Trago as mãos cruzadas,
Pesam-me no peito.
Quem sabe se a lama onde hoje me deito
Dará flor aos vivos que dizem que não?
Pedro Homem de Mello, in «Príncipe Perfeito»
Cortesia de O Citador/JDACT