«(…) Suzu, sorridente, preparava-se para servir o café e Marc achava-se sentado à mesa da cozinha, inclinado sobre uma pasta aberta, quando Claire entrou. Esta deu o bom dia a Suzu e passou em seguida a mão pelo cabelo de Marc, cortado quase rente, ao mesmo tempo que lhe beijava uma das faces. Sentou-se, bebeu de um trago o suco de laranja e fez uma careta, pois esquecera-se de adoçá-lo. Depois, olhou para o outro lado da mesa. Maud ainda não chegou? Anda passeando por aí, retorquiu Marc, sem erguer os olhos. Claire mordeu o canto de uma torrada. Bem, disse, apontando para a pasta, a nossa Disneylândia polinésia existe realmente? Marc ergueu a cabeça e encolheu em seguida os ombros. Talvez sim, talvez não. Porém, gostaria de estar tão certo como a Matty. Deixou cair uma das mãos sobre os papéis que se encontravam diante de si. Os nossos estudantes parecem ter feito um belo trabalho, mesmo na Biblioteca do Congresso. Vasculharam toda a literatura sobre os Mares do Sul, a publicada e a não publicada. Nenhuma referência em parte alguma às Três Sereias. Nem uma palavra sequer...
Isto não deve surpreender.
Easterday disse que era um grupo desconhecido. Sentir-me-ia mais tranquilo se
houvesse alguma coisa publicada. Claro..., começou de novo a folhear as notas...,
diversas outras fontes parecem apoiar um pouco as afirmações de Easterday. O
quê, por exemplo? Existiu realmente um Daniel Wright, que viveu em Skinner
Street, em Londres, antes de 1795. Em Chicago houve, também, um advogado
chamado Thomas Courtney... Ah, sim?! Mais alguma coisa acerca dele? Datas, em
especial. Tem trinta e oito anos. Licenciou-se pelas Universidades Northwestern
e de Chicago. Sócio de uma firma antiga. Foi aviador na Guerra da Coreia, em
1952. Ao voltar, começou de novo a exercer a advocacia em Chicago. A partir de 1957
não se sabe mais nada. Foi nesse ano que partiu para os Mares do Sul, afirmou
calmamente Claire. Talvez, volveu Marc. Sabê-lo-emos dentro de muito pouco tempo.
Em seguida fechou a pasta e dedicou-se aos flocos de cereal e ao leite. Temos
onze semanas para fazer compras de Natal, disse Claire. Não creio que se
celebre o Natal nas Três Sereias, retorquiu Marc. Não é lugar para mulher...,
entre aqueles primitivos. Se eu pudesse, deixaria você aqui, de boa vontade. Não
ouse sequer tentá-lo!, exclamou Claire, com indignação. Além disso, não são
inteiramente primitivos. Easterday afirmou que o filho do chefe falava um
inglês perfeito. Muitos primitivos falam inglês, redarguiu Marc. Incluindo
alguns dos nossos melhores amigos, acrescentou de súbito, sorrindo.
Não me agradaria também que você
desperdiçasse muito tempo com eles. Encantada com esse interesse, que não era
muito habitual no marido, Claire passou a mão sobre a dele. Esse interesse é
mesmo verdadeiro?, perguntou. Dever masculino e instinto respondeu Marc. Proteger
a nossa companheira... Mas, a sério, as viagens de estudo não são piqueniques.
Já disse que detesto as que me vejo obrigado a fazer. Não são nunca tão
idílicas na realidade como parecem quando as descrevem nos livros. Em geral
descobrimos que não temos muito de comum com os nativos, além do nosso trabalho
com eles. Tem-se saudade de todos os pequenos prazeres da vida.
Inevitavelmente, adoece-se de disenteria, de malária, ou de qualquer outra
maldita febre. Não me agrada expor uma mulher a todas essas situações difíceis,
mesmo que se trate de um curto período. Claire apertou a mão do marido.
Você é um amor. Mas estou certa
de que não será tão mau como supõe. Apesar de tudo, sempre terei a sua
companhia e a de Maud. Poderemos estar muito ocupados. Farei o possível por me
ocupar também com alguma coisa. Desejo participar de toda a experiência. Não
diga depois que não a avisamos. Claire retirou a mão, pegou no garfo e
enterrou-o, pensativa, nos ovos fritos. Conhecendo Marc como conhecia,
perguntou-se se ele realmente estava tão interessado no seu bem-estar como
queria fazer parecer, ou se projectava apenas seus próprios receios em relação
a um facto novo e estranho. Era Marc, como tantos homens, constituído por dois
indivíduos separados, constantemente em conflito, cada um deles decidido a
obter uma paz separada? Irritá-lo-ia, intimamente, uma rotina monótona, e, ao
mesmo tempo, encontraria segurança nela? Era tão firme, tão constante, nos seus
movimentos diários como os ponteiros de um relógio que funciona como precisão?
Todavia, poderia desejar fugir a esta existência, apesar da tranquilidade que
ela proporcionava. Atrás deste ajustamento superficial talvez espreitasse um
outro Marc, um Marc que partia para viagens de que ela jamais participaria,
viagens a secretos Monte Cristo que temporariamente o libertavam das prisões do
dinheiro e das celas do nada. Para ele, talvez as Três Sereias não oferecessem
qualquer benefício pessoal, mas apenas o prosseguimento da rotina, mais penoso.
Assim, transformaria a aversão que sentia pela sua própria destruição em desvelo
e inquietação pela mulher». In Irving Wallace, As Três Sereias, Livros
do Brasil, Colecção Dois Mundos, 2000, ISBN 978-972-381-025-7.
Cortesia de LdoBrasil/DMundos/JDACT
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