«Nonada. Tiros que o senhor ouviu foram de briga de homem não, Deus esteja. Alvejei mira em árvore, no quintal, no baixo do córrego. Por meu acerto. Todo dia isso faço, gosto; desde mal na minha mocidade. Daí, vieram me chamar. Causa dum bezerro! Um bezerro branco, erroso, os olhos de nem ser, se viu; e com máscara de cachorro. Me disseram; eu não quis avistar. Mesmo que, por defeito como nasceu, arrebitado de beiços, esse figurava rindo feito pessoa. Cara de gente, cara de cão!, determinaram, era o demo. Povo prascóvio. Mataram. Dono dele nem sei quem for. Vieram emprestar minhas armas, cedi. Não tenho abusões. O senhor ri certas risadas... Olhe! Quando é tiro de verdade, primeiro a cachorrada pega a latir, instantaneamente, depois, então, se vai ver se deu mortos. O senhor tolere, isto é o sertão. Uns querem que não seja! Que situado sertão é por os campos-gerais a fora a dentro, eles dizem, fim de rumo, terras altas, demais do Urucúia. Toleima. Para os de Corinto e do Curvelo, então, o aqui não é dito sertão? Ah, que tem maior! Lugar sertão se divulga: é onde os pastos carecem de fechos; onde um pode torar dez, quinze léguas, sem topar com casa de morador; e onde criminoso vive seu cristo-jesus, arredado do arrocho de autoridade. O urucúia vem dos montões oestes. Mas, hoje, que na beira dele, tudo dá, fazendões de fazendas, almargem de vargens de bom render, as vazantes; culturas que vão de mata em mata, madeiras de grossura, até ainda virgens dessas lá há. O gerais corre em volta. Esses gerais são sem tamanho. Enfim, cada um o que quer aprova, o senhor sabe: pão ou pães, é questão de opiniães... O sertão está em toda a parte.
Do demo? Não gloso.
Senhor pergunte aos moradores. Em falso receio, desfalam no nome dele, dizem só:
o Que-Diga. Vote! Não... Quem muito se evita, se convive. Sentença
num Aristides, o que existe no buritizal primeiro desta minha mão direita,
chamado a Vereda-da-Vaca-Mansa-de-Santa-Rita, todo o mundo crê: ele não pode
passar em três lugares, designados: porque então a gente escuta um chorinho,
atrás, e uma vozinha que avisando: Eu já vou! Eu já vou!..., que é o capiroto,
o que-diga... E
um Jisé Simpilício, quem qualquer daqui jura ele tem um capeta em casa, miúdo
satanazim, preso obrigado a ajudar em toda ganância que executa; razão que o
Simpilício se empresa em vias de completar de rico. Apre, por isso dizem também
que a besta p’ra ele rupeia, nega de banda, não deixando, quando ele quer
amontar... Superstição. Jisé Simpilício e Aristides, mesmo estão se engordando,
de assim não-ouvir ou ouvir. Ainda o senhor estude: agora mesmo, nestes dias de
época, tem gente porfalando que o Diabo próprio parou, de passagem, no
Andrequicé. Um Moço de fora, teria aparecido, e lá se louvou que, para aqui vir,
normal, a cavalo, dum dia-e-meio, ele era capaz que só com uns vinte minutos
bastava..., porque costeava o Rio do Chico pelas cabeceiras! Ou, também, quem
sabe, sem ofensas, não terá sido, por um exemplo, até mesmo o senhor quem se anunciou
assim, quando passou por lá, por prazido divertimento engraçado? Há-de, não me
dê crime, sei que não foi. E mal eu não quis. Só que uma pergunta, em hora, às
vezes, clareia razão de paz. Mas, o senhor entenda! O tal moço, se há, quis
mangar. Pois, hem, que, despontar o Rio pelas nascentes, será a mesma coisa que
um se redobrar nos internos deste nosso Estado nosso, custante viagem de uns três
meses... Então? Que-Diga? Doideira. A fantasiarão. E, o respeito de dar a
ele assim esses nomes de rebuço, é que é mesmo um querer invocar que ele forme
forma, com as presenças!
Não seja. Eu,
pessoalmente, quase que já perdi nele a crença, mercês a Deus; é o que ao
senhor lhe digo, à puridade. Sei que é bem estabelecido, que grassa nos
Santos-Evangelhos. Em ocasião, conversei com um rapaz seminarista, muito condizente,
conferindo no livro de rezas e revestido de paramenta, com uma vara de
maria-preta na mão, proseou que ia adjutorar o padre, para extraírem o Cujo, do
corpo vivo de uma velha, na Cachoeira-dos-Bois, ele ia com o vigário do
Campo-Redondo... Me concebo. O senhor não é como eu? Não acreditei patavim.
Compadre meu Quelemém descreve que o que revela efeito são os baixos espíritos
descarnados, de terceira, flutuando nas piores trevas e com ânsias de se
travarem com os viventes, dão encosto. Compadre meu Quelemém é quem muito me consola, Quelemém de Góis».
In
João
Guimarães Rosa, Grande Sertão, Veredas, 1956, Livraria José Olympio Editora, Editora
Nova Fronteira, 2001, ISBN 978-852-091-209-6.
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