quinta-feira, 31 de março de 2022

No 31. Theresa Breslin. Prisioneira da Inquisição. «Ei! Ratinho!, gritou para mim. Dê um gole para cada homem ao subir e descer. Nada mais do que isso, ou eu o esfolarei vivo! Os remadores começaram a reclamar».

Cortesia de wikipedia e jdact

A Chegada da Inquisição (maldita) 1490-1491

«(…) Panipat levantou-se, assomando acima de mim. Deu um aterrorizante sorriso que expôs dentes quebrados e a falta destes. Deixa eu dar uma olhada em você, Ratinho. Firmou as mãos em volta do meu pescoço, sacudindo-me no ar, deixando meu rosto a poucos centímetros do seu. Vai obedecer a todas as minhas ordens! Cuspiu na minha cara. Imediatamente e sem questionar. E, se me causar qualquer problema, esfolarei cada centímetro de pele do seu corpo. Entendeu? O sangue latejava no meu cérebro. Não conseguia sequer murmurar uma resposta. Responda! Ele me sacudiu com tanta força que pensei que meus ouvidos iriam explodir, e os olhos, saltar da cabeça. O capitão bateu no seu ombro com a bengala. O rapaz não consegue responder-lhe pois você está com as mãos em volta da sua traqueia. Panipat me soltou, e desabei no convés a seus pés, onde grasnei, tentando recuperar o fôlego. O capitão baixou o olhar para mim. Creio que o Ratinho entendeu muito bem, observou, com alguma compaixão na voz. Panipat explicou o que queria que eu fizesse.

Em cada extremidade da passarela havia um barril de água fresca. Eu teria de reabastecê-los, todas as noites, de um enorme tonel mantido em baixo da passarela, que era onde a nossa carga ficava estivada também. Recebi uma funda concha de madeira com um cabo comprido. Durante o dia, tinha de encher essa concha e subir e descer a passarela dando água aos remadores que a pedissem; na subida, para um lado, na descida, para o outro. A maioria dos homens livres trazia suas próprias garrafas de água, as quais eu também mantinha reabastecidas. Por minha vez, podia tomar um gole a cada vez que completava a volta na popa, na extremidade do barco. De manhã bem cedo zarpamos. O vento estava fresco, e, por isso, mais ou menos durante a primeira hora fomos conduzidos principalmente pela vela e eu simplesmente percorri a passarela de cima a baixo, fazendo o que me fora instruído. Os homens soltavam comentários indecentes e esticavam os cotovelos para que eu tropeçasse, mas eu estava acostumado a ser insultado e tinha os pés ágeis, portanto isso não me incomodou muito. Então o sol ficou mais alto, o vento diminuiu e ficamos em águas paradas sem qualquer abrigo à vista. Na plataforma elevada da popa, o capitão Cosimo estava sentado debaixo de um toldo estudando seus mapas e traçando o curso. Os homens livres e até mesmo alguns dos escravos haviam almofadado seus bancos com trouxas de aniagem e usavam tiras desse pano para proteger os ombros e a cabeça dos raios do sol do meio-dia, já que a faixa de toldo acima não era larga o bastante para cobri-los adequadamente. Percebi que precisava me movimentar com mais rapidez para atender suas exigências por água. Em pouco tempo estavam berrando insultos contra mim por eu ser lento demais. Enquanto isso, Panipat estava montado num banquinho na popa, logo abaixo da plataforma de comando, gritando orientações enquanto o capitão, que também agia como piloto, dava instruções sobre a direcção que devíamos tomar. Então o mestre dos remadores se levantou.

Ei! Ratinho!, gritou para mim. Dê um gole para cada homem ao subir e descer. Nada mais do que isso, ou eu o esfolarei vivo! Os remadores começaram a reclamar. Panipat então colocou-os numa braçada forte e constante, e suor escorreu das suas testas e antebraços. Os escravos e os criminosos sem qualquer cobertura nas suas costas sofreram mais, e, a cada volta que eu dava, um homem mais velho continuava implorando por mais água. Eu sacudia a cabeça, mas, afinal, em desespero, ele cravou os dentes na borda da concha de madeira e tentou engolir tudo, derramando água pelo seu rosto e torso. Panipat deu um salto, foi batendo o pé pela passarela e o atingiu no rosto com a ponta do cabo do seu chicote. Cão, bradou ele. Ninguém neste barco desobedece às minhas ordens! Atingiu o homem novamente com a mão aberta, então se virou e começou a caminhar de volta para seu lugar. Rapidamente, aproveitando que Panipat estava de costas para mim, ergui a concha até minha boca e tomei um gole extra de água. Panipat girou num instante.

Não vi a correia, apenas senti a ferroada nos meus dedos quando ela se enrolou em minha mão e arrancou a concha à força. Olhei, aturdido, a concha rodar no convés, e então vi, tarde demais, Panipat erguer novamente o braço. Um estalido, e ah!, a terrível mordida quando a ponta metálica da correia talhou meu peito, rasgando o fino tecido de minha camisa. Isso foi apenas um aviso, Ratinho, rosnou Panipat. Eu poderia ter partido sua carne até ao osso se quisesse». In Theresa Breslin, Prisioneira da Inquisição, 2010, Galera Record, 2014-2015, ISBN 978-850-110-256-0.

Cortesia de GRecord/JDACT

JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Espanha,