A Chegada da Inquisição (maldita) 1490-1491
«(…) Alguns remadores
gargalharam, pois, para eles, qualquer distracção era divertimento. Panipat
também gargalhou, ao caminhar de volta para o banquinho. Agora, Ratinho, não
beberá mais água hoje até eu dizer que pode. O dia prosseguiu. O ardente sol de
fim de verão queimava o céu e o mar à nossa volta. Surgiu uma leve brisa, e a
vela foi içada novamente. Senti o estômago revirar quando um surto de enjoo me
atingiu, mas eu sabia que não devia pedir licença para ir vomitar por cima do
costado. Engoli a náusea. A bile sufocou a minha garganta, mas continuei com
meu trabalho. Por volta do meio da tarde, eu estava febril e cambaleante com
calor e exaustão. Panipat diminuiu a voga para deixar que os homens
descansassem, mas não creio que ele tivesse demonstrado piedade se um dos homens
livres de grande experiência não tivesse interferido. Esse homem era conhecido apenas
pelo seu lugar de origem, Lomas, uma aldeia do interior perto de Málaga. Gesticulou
com a cabeça para eu ir até ele e então me passou sua garrafa de água. Beba,
ordenou, ou vai desmaiar e nenhum de nós terá mais água. Olhei temeroso para
Panipat, mas o mestre dos remadores virou a cabeça e fingiu não ver. Beba,
repetiu Lomas. Sou o melhor remador de Panipat. Ele sabe disso e não vai me
contradizer.
Bebi a água e consegui ficar de
pé o resto do dia. Ao cair da noite, quando ainda não tínhamos aportado,
Panipat ordenou que os homens descansassem os remos e foi confabular com o
capitão. Sente-se aqui comigo, rapaz, disse Lomas. Desabei agradecido na
passarela ao lado de seu posto de remador. Ele dobrou para trás a parte rasgada
de minha camisa e, apanhando um frasco guardado por baixo do banco, desenroscou
a tampa e o estendeu para mim. Espalhe um pouco deste unguento no seu corte,
disse. Ajudará a sarar. Agradeci e, então, quando lhe devolvi o fraco,
perguntei-lhe: Nós estamos perdidos? Não completamente, sorriu Lomas, pois
seria difícil, até mesmo para o nosso capitão maluco, se perder completamente
num mar fechado como o Mediterrâneo, mas já deveríamos ter avistado terra uma
hora atrás. Será amanhã antes de vermos Alicante. Levantou-se e cuspiu no mar. Ele
nasceu em Génova, nosso capitão Cosimo, e os genoveses são supostamente os
melhores marujos, mas esse aí mal consegue encontrar a Estrela Polar numa noite
sem nuvens. Mas, se você é um homem livre, por que aceitou trabalhar neste
barco?, perguntei-lhe.
A principal habilidade do capitão
Cosimo é o seu senso para negócios. Ele emprega apenas quatro tripulantes: o
intendente, que também cuida do canhão e das outras armas, o
carpinteiro-cozinheiro, o veleiro e o mestre dos remadores, Panipat. Nosso
capitão é um negociante esperto, ganha mais dinheiro do que os outros capitães,
que são melhores navegadores. Embora ele desperdice a sua parte em jogatina antes
mesmo de deixarmos o porto, a tripulação e os homens livres ganham um bom dinheiro
neste barco. Transportamos cargas para portos tão distantes a leste quanto as
ilhas Baleares e depois a oeste, para Cádiz, na costa atlântica da Ibéria. O
capitão Cosimo tem um faro de especialista para que tipos de mercadorias são
desejadas, onde e quem pagará mais por elas. Para fazer uma barganha, não tem
ninguém melhor. É uma pena que ele nunca irá se aposentar como um homem rico,
mas posso trabalhar dois anos e depois tirar uma folga de seis meses e ir para
casa viver do que ganhei com minha mulher e meu filho». In Theresa Breslin, Prisioneira
da Inquisição, 2010, Galera Record, 2014-2015, ISBN 978-850-110-256-0.
Cortesia de GRecord/JDACT
JDACT, Theresa Breslin, Literatura, Espanha,