Com a devida vénia ao Instituto Camões, na rubrica Navegações Portuguesas, publico um trabalho referente a Arqueologia Subaquática.
Casco do naufrágio de Angra C. Trabalho de registo.
Trata-se de uma disciplina que descreve, estuda e interpreta os vestígios das civilizações que se encontram em meio aquático. Abarca a totalidade da investigação arqueológica praticada debaixo de água ou em meios húmidos, quer sejam lagos, rios ou mar. A arqueologia subaquática utiliza a mesma metodologia da arqueologia terrestre, porém a adversidade do meio onde se encontram os vestígios arqueológicos obrigou a adaptação das suas técnicas às suas características e limitações. Na década de 50, com a destruição e arrombamento de um navio francês de 74 canhões dos finais de séc. XVIII surge na Escandinávia, pela primeira vez, o reconhecimento da importância do contexto do sítio arqueológico.
George Bass vai nos anos 60 iniciar a aplicação de técnicas de arqueologia terrestre na escavação de naufrágios num naufrágio datado da Idade do Bronze (1200 a.C.), no Cabo de Gelidonia, Turquia, contemplando de igual modo os dados da carga do navio, bem como as técnicas de construção naval e de navegação.
Foram escavações como as dos navios do Séc. IV e VII, em Yassi Ada, no Mediterrâneo, que forneceram à comunidade científica informações até então desconhecidas sobre os navios dessas épocas, assim como das suas cargas. Também o norte da Europa começa a revelar sítios arqueológicos subaquáticos. Um exemplo disso é a fabulosa descoberta na Suécia, no porto de Estocolmo, do navio de guerra Wasa. Navio construído em 1628 que sofrendo de graves problemas estruturais de construção, naufragou na sua viagem inaugural logo à saída do porto de Estocolmo.
A sua escavação iniciou-se em 1956, elevando-se para a superfície, em 1961, um casco inteiro e excepcionalmente bem preservado durante trezentos e trinta anos. Depois desta operação, toda a área onde o Wasa se encontrava depositado foi submetida a uma escavação sistemática e intensiva de onde foram recolhidos diversos artefactos pertencentes ao navio e que deste terão caído no momento do naufrágio. Um dos trabalhos mais sistemáticos de arqueologia subaquática ocorreu durante o acompanhamento das drenagens de secagem para a construção de diques na Holanda.
O prévio conhecimento da ocorrência de diversos naufrágios nestas zonas, outrora navegáveis, foi motivo suficiente para o acompanhamento das obras por arqueólogos Holandeses. Em Sutton Hoo, 1939, são descobertos barcos alto-medievais, um dos quais, datado de séc. XVI, é escavado entre 1965 e 1967 sob a coordenação do Museu Britânico. Outro importante barco medieval, do séc. IX foi descoberto em 1970 em Greveney, Kent, sendo a sua escavação coordenada pelo Nacional Maritime Musiam, dando-se início ao maior programa de investigação de barcos do Noroeste europeu, pesquisas que continuam até aos dias de hoje. Os navios da frota Dutch East India Company que se perderam em águas britânicas no séc. XVIII foram alvo da atenção de exploradores e arqueólogos.
Destes, o primeiro barco histórico a ser escavado foi o Dutch East Indiaman. O seu sítio arqueológico, descoberto em 1965, esteve inicialmente associado a um programa de exploração comercial e não arqueológica. No entanto um grupo de arqueólogos iniciou mais tarde os primeiros trabalhos de registo do navio com o recurso a mergulhos no local. Outro dos naufrágios considerados de grande importância foi o navio Amsterdam, que se afundou numa praia perto de Hastings. Os navios da Armada Espanhola de 1588 têm sido igualmente alvo do interesse dos estudiosos, tendo sido possível em 1968 localizar os navios Santa Maria de la Rosa e Girona.
A constituição de clubes de mergulho a partir dos anos 60 contribuiu para o incremento da descoberta de sítios históricos submersos, muitas vezes por acaso, outras vezes resultado de prospecções sistemáticas. A descoberta do Mary Rose, ao largo de Portsmouth entre 1967 e 1971, é um bom exemplo da busca sistemática de um importante navio de guerra de séc. XVI, que se sabia afundado em 1545. Após a sua localização por mergulhadores, o navio foi submetido a uma intervenção arqueológica em tudo muito semelhante à aplicada ao navio Wasa, tendo sido içado para a superfície a restante parte lateral do casco ainda integra.
No Canadá, na década de oitenta, teve lugar uma intervenção arqueológica nas águas do Lavrador sobre um navio baleeiro basco dos meados de séc. XVI, denominado Red Bay. Nesta intervenção, uma equipa de investigadores escavou e desmontou na totalidade o que restou das madeira deste navio. Após o trabalho de registo, os arqueólogos optaram por voltar a colocar as madeiras dentro da água salgada. A informação recolhida serviu para o estudo e a reprodução do navio em laboratório.
A América do Norte e Central são dos locais mais activos em intervenções subaquática devido à riqueza em naufrágios históricos, navios que traziam nas suas cargas grandes quantidades de ouro e prata, ficando por isso conhecidos como os “navios espanhóis da prata”. As intervenções em muitos destes navios foram apenas de cariz comercial e não arqueológico, prevendo-se apenas o lucro e não o conhecimento científico. Felizmente, nos últimos anos essa situação tem vindo a ser alterada, sendo já muito poucos os locais onde ainda se pratica a caça ao tesouro. Muitos estados dos Estados Unidos da América impuseram um controlo legal dos sítios arqueológicos tendo decretado que nas suas costas só poderiam existir intervenções arqueológicas de cariz científico.
Desenho idealizado das escavações terrestres e subaquáticas da La Draga.
Ano de 1998. Desenho de F. Gallent.
O primeiro navio português a ser escavado foi o S. António de Tanna afundado em Mombaça em 1667 e que foi escavado de 1977 a 1980 entre 1977 e 1980 sob responsabilidade do National Museums of Kenya e o INA (Institute of Nautical Archaeology). Porém a arqueologia subaquática em território português só dá os primeiros passos na década de oitenta com as intervenções no local do naufrágio de S. Pedro de Alcântara, um navio espanhol naufragado a 2 de Fevereiro de 1786, junto à costa de Peniche. Esta intervenção iniciou-se em 1988 estando relacionada com as escavações terrestres que já decorriam desde 1985, no local onde foram enterrados muitos dos corpos dos náufragos do S. Pedro de Alcântara. Em 1995, pela ocasião da construção do metro na zona do Cais de Sodré, foi localizado o fundo de uma embarcação de grandes de dimensões no lodo desta zona ribeirinha. Esta descoberta originou uma intervenção arqueológica de emergência neste navio de características ibéricas dos finais de séc. XV, inícios de séc. XVI, para o registo de todo o casco e a sua remoção do local.
Em 1996 inicia-se num dos canais da ria de Aveiro a escavação subaquática de uma embarcação no local conhecido pelo “monte dos cacos”. O sítio arqueológico foi denominado como Ria de Aveiro A, datando da 2º metade de séc. XV. Em Junho de 1996 durante os trabalhos de abertura de condutas para ventilação do metro de Lisboa, na zona da Praça do Município, é localizado o cadaste de uma embarcação denominada de Corpo Santo, descoberta feita a poucos metros do navio Cais do Sodré. Em 1997 inicia-se a intervenção arqueológica subaquática na barra do Tejo, em frente ao forte de S. Julião da Barra, sobre a nau - Nossa Senhora dos Mártires, naufragada em 1606.
O espólio desta intervenção veio a integrar a exposição do Pavilhão de Portugal na Expo’98, em Lisboa. Uma das peculiaridades deste sítio arqueológico foi a preservação durante 400 anos de uma parte da carga no local do naufrágio, muitos grãos de pimenta, que foram recolhidos em de toda a área de dispersão dos vestígios da Nossa Senhora dos Mártires. Ao mesmo tempo 1997 nos Açores, na Baia de Angra do Heroísmo, são descobertos dois navios durante os trabalhos de prospecção devido à construção de uma marina.
Os navios, Angra C e Angra D repousavam precisamente no alinhamento do futuro molhe de protecção da marina, numa baía onde estão registados mais de oitenta naufrágios desde o séc. XV. Angra C e Angra D foram escavados em 1998, vindo a revelarem ser dois importantes exemplares de construção naval dos finais de séc. XVI, inícios de XVII. Estes navios, à semelhança do que foi feito no Canadá, foram desmantelados e depositados no fundo do mar, fora da zona de impacte da marina e em local seguro e acessível para a continuidade dos estudos. Na baía de Angra do Heroísmo para além de Angra C e Angra D estão referenciados mais cinco outros naufrágios e um importante núcleo de âncoras.
Em 1998, em Quarteira, foi concretizado um projecto de estudo sobre a ocupação do litoral algarvio na época romana. Este estudo, baseado nos dados geológicos que apontam para o recuo da linha de costa de à 2000 anos até hoje, levaram à primeira campanha arqueológica subaquática do género em Portugal. Tratou-se de um projecto de localização de estruturas romanas submersas ao largo de Quarteira, que foram detectadas a 700 metros da orla marítima, a 8-10metros de profundidade, confirmando assim o que já se suspeitava, revelando também um riquíssimo potencial de informação das áreas costeiras submersas.
Representação do trabalho de registo arquelógico subaquático com quadrícula e transparência
Cortesia de Catarina Garcia/Instituto Camões/JDACT
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