domingo, 13 de fevereiro de 2011

O Clima está nas nossas mãos: O Longo Verão. «A tese de Ruddiman defende que, ao adicionar uma quantidade de gases com efeito de estufa suficiente pata atrasar a chegada de outra era glaciar mas insuficiente para sobreaquecer o planeta, os antigos executaram um acto de magia química...»

Cortesia de estrelapolar 

O longo Verão
O longo Verão dos últimos oito mil anos é, sem dúvida, o evento crucial na história humana. Embora a agricultura tivesse começado há mais tempo (há cerca de 10 500 anos no Crescente Fértil, no Médio Oriente), foi durante esse período que passámos a utllizat a maior parte das nossas principais sementes de cultivo e a domesticar animais, que surgiram as primeiras cidades, que foram cavados os primeiros diques de irrigação, que foram escritas as primeiras palavras, e que foram cunhadas as primeiras moedas.
Estas mudanças não ocorreram apenas uma vez, mas sim muitas vezes, de forma independente, em diferentes partes do mundo. Ainda o nosso Verão não tinha cinco mil anos de duração, já cidades tinham sido construídas na Ásia Ocidental, Ásia Oriental, África e América Central. As semelhanças dos templos, casas e fortificações são assombrosas.

É como se a mente humana contivesse desde sempre um plano de cidades e estivesse apenas à espera das condições certas para as construir.

Cortesia de dementia
Estas colonizações humanas eram governadas por uma elite que contava com artesãos. Em algumas sociedades, desenvolveu-se a escrita e mesmo nos primeiros escritos, tábuas de argila da antiga Mesopotâmia, reconhece-se o estilo de vida de uma grande metrópole.
Terá este longo Verão resultado de um acaso cósmico? Teriam os ciclos de Milankovich, o Sol e a Terra estado na sintonia certa para daí surgir um período de estabilidade sem precedentes, de calor moderado? Tanto quanto sabemos, durante todos os períodos de calor moderado ao longo do último milhão de anos, houve uma súbita oscilação da temperatura seguida de um longo e instável arrefecimento, causado pelos ciclos de Milankovich. Não há nada de excepcional no actual ciclo de Milankovich que possa explicar o longo Verão. Na verdade, se os ciclos de Milankovich ainda estivessem a controlar o clima da Terra, nesta altura estaríamos a sentir um arrefecimento notório.
Ao tentar explicar o longo VerãoBill Ruddiman, um cientista do ambiente ligado à Universidade da Virginia, começou a reparar num factor excepcional, algo que esteve presente neste último ciclo mas em nenhum dos anteriores. Esse factor excepcional, concluiu, somos nós.
O premiado Nobel Paul Crutzen (distinguido pelo trabalho de investigação sobre o buraco do ozono) e os seus colegas já tinham reconhecido e nomeado um novo período geológico em honra da nossa espécie. Chamaram-lhe Antropocénico, que significa a era da humanidade, e assinalaram a alvorada da mesma em 1800, quando o metano e o CO2 lançados para a atmosfera pelas gigantescas máquinas da Revolução Industrial começaram pela primeira vez a influenciar o clima da Terra.

Cortesia de ww1rtp
Ruddiman foi mais além: detectou o que acredita serem influências humanas sobre o clima da Terra, ocorridas muito antes de 1800.
Ao registar em gráfico os níveis de dois dos principais gases com efeito de estufa, metano e CO2, contidos em bolhas de ar existentes em lençóis de gelo na Gronelândia e Antárctida, Ruddiman descobriu que, por terem tido início há oito mil anos, os ciclos de Milankovich não poderiam explicar o que de facto aconteceu. Nessa altura, o metano deveria ter começado a entrar em declínio, e há cinco mil anos esse declínio intensificar-se-ia rapidamente. Em vez disso, após um ligeiro decréscimo, as concentrações de metano iniciaram uma lenta mas enfática subida.

Ruddiman argumenta que isto é uma evidência de que as emissões de metano, até então controladas pela natureza, estavam agora também na mão dos humanos, pelo que devemos assinalar a alvorada do Antropocénico há oito mil anos em vez de há duzentos anos.
Foi o início da agricultura, especialmente a agricultura molhada do género da que é praticada nos campos de arroz inundados na Ásia Oriental, que fez pender a balança. Estes sistemas agrícolas podem revelar-se incríveis produtores de metano. Mais ou menos nessa época, os agricultores de sementeiras que requerem condições do tipo pantanoso estavam também a dar a sua contribuição. O cultivo do inhame (que envolve a criação e manutenção de sistemas de controlo de água), por exemplo, já era praticado na Nova Guiné há oito mil anos.

Mesopotâmia
Cortesia de leastofthesepromotions
Até mesmo os caçadores-colectores podem ter sido um factor de influência. A construção de represas transformou vastas áreas do sudeste australiano em pântanos sazonais. Estas estruturas eram talvez as mais extensas jamais criadas por pessoas não ligadas à agricultura, e eram usadas para regular zonas alagadas para a produção de enguias. Em grandes encontros das tribos, as enguias eram colhidas em massa e depois secas e fumadas para comércio a longas distâncias.
Riddeman encontrou também, através das bolhas de ar, evidência de que a concentração de CO2 na atmosfera estava a ser influenciada pelos seres humanos, muito antes do que se pensou inicialmente. Os níveis de CO2 subiram rapidamente quando o período glaciar terminou, depois tipicamente iniciou um lento declínio rumo ao período frio seguinte. No entanto, durante este ciclo os níveis continuaram a subir. Em 1800, o CO2 atmosférico tinha aumentado para 280 partes por milhão. Se os ciclos naturais tivessem sido os únicos a controlar a quantidade de carbono da Terra, afirma Ruddiman, então o CO deveria ter ficado pelas 240 partes por milhão e estar em declínio.

Cortesia de luciaitagi
À primeira vista, este parece ser um argumento com pouca consistência. Afinal de contas, as emissões de carbono produzidas pelos primeiros humanos teriam de ser o dobro das emissões da nossa era industrial entre 1850 e 1990, uma quantidade apenas possível devido a um aumento sem precedentes da população utilizando máquinas movidas a carvão.

O factor-chave, afirma Ruddiman, é o tempo. Oito mil anos é um período muito abrangente e, à medida que os seres humanos cortaram e queimaram florestas por todo o planeta, o efeito de tais actividades começou a fazer-se sentir, tal como penas a serem empilhadas aos poucos em cima do prato da balança: a certa altura, haverá penas suficientes para fazer oscilar a balança.

Ruddiman argumenta que a frágil estabilidade climática criada pela humanidade ao longo dos últimos oito mil anos estava ainda vulnerável aos grandes ciclos de Milankovich. Por seu lado, o arqueólogo Brian Fagan diz que estes ciclos podiam ser amplificados ao ponto de causarem monumentais impactos nas sociedades humanas. O ligeiro desvio da órbita da Terra, entre l0 mil e 4 mil anos a.C., trouxe ao Hemisfério Norte um aumento de7 a 8% de luz solar. Isto alterou a circulação atmosférica, resultando num aumento de 25 a 30% de precipitação na Mesopotâmia. O que outrora fora um deserto transformou-se num vale verdejante que serviu de suporte a populosas comunidades agrícolas. Contudo, depois de 3800 a.C., a órbita da Terra voltou à sua posição anterior e a chuva parou de cair, forçando muitos agricultores a abandonarem os seus campos e a vaguearem à procura de alimento.
Cortesia de karenswhimsy
O culminar de toda esta mudança reflectiu-se numa nova organização das sociedades humanas e, por volta do ano 3100 a.C., as cidades do Sul da Mesopotâmia tinham-se transformado nas primeiras civilizações do mundo. Na verdade, defende Fagan, a cidade representa uma solução humana de adaptação a condições climáticas mais secas.
Voltemos à análise feita por Bill Ruddiman, porque contém várias provocações. Ele vê uma clara correlação entre épocas de níveis baixos de CO2 atmosférico e várias pragas causadas pela bactéría Yersini pestis, a peste negra da idade medieval. Estas epidemias eram globais no seu raio de acção e mataram tanta gente que as florestas conseguiram crescer novamente nos campos de cultivo desertos. Nesse processo, absorveram CO2, fazendo baixar as concentrações atmosféricas entre 5 a l0 partes por milhão. Isso fez com que as temperaturas globais diminuíssem, seguindo-se sucessivos períodos de frio relativo em determinados lugares, como a Europa.

Cortesia de commonswikimedia
A tese de Ruddiman defende que, ao adicionar uma quantidade de gases com efeito de estufa suficiente pata atrasar a chegada de outra era glaciar mas insuficiente para sobreaquecer o planeta, os antigos executaram um acto de magia química. Actualmente, contudo, as mudanças na nossa atmosfera que estão a ser detectadas pelos cientistas são tão grandes, que os portões do tempo parecem estar uma vez mais a abrir-se.

Há sinais inequívocos de que o Antropocénico está a ficar desgastado. Será que se vai transformar no período geológico mais curto da história da Terra? In O Clima está nas Nossas Mãos, Tim Flannery 2006, Estrela Polar 2008, ISBN 978-972-8929-93-0.

Cortesia de Estrela Polar/JDACT