sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Os Teatros de Lisboa: Júlio C. Machado. Ilustrações de Bordalo Pinheiro. Parte III. «Em S. Carlos não há surpresas. Sabe-se de cór as óperas ... e os camarotes»

Cortesia de bordalopinheiro

O Teatro de S. Carlos

«É, não é; discussão, altercação, brincadeira.
Tudo fica em bem, acredita-se na sua palavra honrada, e dá-se-lhe o judeu.
 - É teu o judeu.
 - Obrigado!
- Vamos a ver o que fazes dele.
- Um fenómeno.
Fe-lo, judeu e fenómeno.
 
A rapaziada da geral de S. Carlos, que nesses tempos era a flor da elegância, da bravura, e da extravagância alegre - D. Álvaro, Luiz Forjaz, Manuel Browne, José Vaz de Carvalho, António Shalback, Lima da Cardiga - fez-lhe um triunfo, aplaudiu, gritou, pediu bis, e viva e viva!

Fechou o teatro no fim da estação sobre uma ovação desta rumorosa qualidade, e, quando chegou a nova época, querendo dar-se a Gazza ladra, dirigiu-se Bruni aos empresários:
  • - Senhores empresários ...
  • - Dirá.
  • - Tenho a fazer uma reclamação á empreza.
  • - Qual é?
  • - Peço um fato novo.
  • - Como, um fato novo ?
  • - Um fato novo para o judeu da Pêga.
  • - Pois o do ano passado já te não serve?
  • - Serve; mas não é próprio.
Tive grande triunfo com este papel e, além disso, para a verosimilhança da acção é necessária esta despesa; os judeus são muito agenciadores, e é útil fazer perceber ao público que este judeu em quanto o teatro esteve fechado continuou sempre a locupletar-se e está já melhor de fortuna do que estava no ano passado.

Não havia resistir a razões tão sólidas. Deu-se-lhe o fato novo!
Hoje, na terceira secção, acha-se reformado em corista, mas só aparece de vez em quando.
É económico, morigerado, paciente, e laborioso.

Cortesia de bordalopinheiro
Uniu-se pelos laços do matrimónio a uma das melhores engomadeiras de Lisboa. Tem um quintalinho ; cria galinhas, rega alfaces de procedência vária, e faz massa de tomate. É finita la musica!
Quantas glórias artísticas conheceu ele e acompanhou!

A quantos Almavivas fez elle a continência, naquela incessante romaria de celebridades em que o teatro de S. Carlos tem vivido sempre!
O Baldanza, o Miraglia, o Volpini, o Swifft, o Mirate, o Fraschini, o Mongini, o Nicolini... E agora, massa de tomate!.


Cortesia de bordalopinheiro 
Ah! S. Carlos é O teatro das tradições e das memórias. Quantas legendas naquelas tábuas, naqueles lugares de plateia, naqueles camarotes, e principalmente, naqueles camarins...

Cortesia de bordalopinheiro
As velhas costureiras, de que a mais famosa morreu há um ano, a illustre Magdalena gorda, obesa, sufocada em banhas e em rapé, criatura sem feitio que dava feitio a todas, figura sem sexo e sem idade que tinha o dom de tornar elegante qualquer prima-dona em fazendo gosto nisso :
  • as velhas costureiras têm na lembrança os fastos daquelles camarins gloriosos...
- Aqui, dizem elas, neste camarim, esteve a famosa Novello, e depois a Castellan, e a Tedesco, e a Volpini, e a infeliz Pascal-Damiani que quebrou uma perna uma noite e nunca mais se levantou da cama senão para se tratar de um ataque de loucura, e a Giovanoni, e a Fricci, e grande Alboni, a cantora por excelência, a priveligiada, a maravilha, que o Ruas nos trouxe». In Júlio César Machado, Os Teatros de Lisboa, Ilustrações de Bordalo Pinheiro, Livraria Editora Mattos Moreira, 1874, PN 2796 L5M25, Library Mar 1968, University of Toronto.

 
Cortesia de bordalopinheiro

Cortesia de Livraria Editora Mattos Moreira, 1874/Bordalo Pinheiro