Com a devida vénia à Mestre Maria Barreto D’Ávila
Vida e Acção Política
«(…) O condestável casara, muito jovem, com dona Leonor de Alvim, viúva de Vasco Gonçalves Barroso. A sua condição de viúva parece justificar este matrimónio algo atípico, dado a precoce idade de dom Nuno (que tinha dezasseis anos quando casou) e o estatuto económico superior da noiva, já que as viúvas constituíam, no mercado matrimonial, uma segunda escolha, uma opção desvalorizada. Deste casamento, o condestável teve apenas uma filha, dona Beatriz.
Quando o condestável enviuvou em 1387, João I propôs-lhe novo matrimónio, desta feita com dona Beatriz Castro, filha de Álvaro Pires Castro que, curiosamente, fora o primeiro condestável do Reino, nomeado por dom Fernando, em 1382. Viúvo cobiçado, detentor de uma enorme fortuna, talvez a maior do Reino nessa altura, e com apenas uma filha, era natural que Nuno Álvares Pereira voltasse a casar. Contudo, o condestável recusou terminantemente a proposta do rei. Seria o início da sua vida casta e ascética. O seu marcante desempenho durante a crise dinástica, que lhe havia granjeado importantes doações de terras e títulos, sobretudo confiscados aos familiares e principais aliados de dona Leonor Teles, tornara-se algo perigoso para o novo rei, que se arrependera, em parte, das grandiosas doações que fizera. Nuno Álvares Pereira era o único nobre no Reino com uma hoste capaz de lhe fazer frente.
Dona
Beatriz, herdeira da imensa fortuna do seu progenitor, era uma noiva muito
almejada. O rei, arrependido, via na união de dona Beatriz com um dos seus
filhos uma solução de compromisso e uma forma dos bens por ele doados regressarem
à Coroa. Por seu lado, o condestável via na ligação à família real uma
estratégia para potenciar, ainda mais, o seu poder. Todavia as negociações não
foram fáceis. O monarca pretendia casar a herdeira do condestável com o sucessor
do trono, o príncipe dom Duarte, significativamente mais novo do que dona
Beatriz. Contudo, não era essa a pretensão do condestável, que dava primazia à
construção de uma casa senhorial independente da casa real. Do ponto de vista
de Nuno Álvares Pereira, o objectivo central a atingir com o casamento da filha
seria o da constituição de uma casa senhorial que perpetuasse a sua linhagem e
a sua memória. A solução foi encontrada em dom Afonso, filho natural de João I,
significativamente mais velho do que os infantes seus irmãos e de idade muito
similar a dona Beatriz. A bastardia de Afonso garantia a Nuno Álvares Pereira a
proximidade desejada com a casa real mas independência quanto bastasse. É interessante
notar que, apesar de Nuno Álvares Pereira ter conseguido a construção de uma
casa que o veria sempre como o fundador, quer a nível patrimonial quer ao nível
do capital simbólico, os seus descendentes nunca adoptaram o seu apelido,
Pereira. Pelo contrário, estes, à semelhança da família real, de quem também
descendiam (ainda que por via bastarda), não utilizavam apelido. Dom Afonso
nasceu entre os anos de 1370 e 1377, filho de Inês Pires e de João I, na
altura, mestre de Avis, no castelo de Veiros, em Estremoz. Foi ali criado por sua
mãe e mais tarde em Leiria por Gomes Martins Lemos, conselheiro régio. Desta
união, que nunca foi legitimada, nasceria também uma filha, dona Beatriz,
futura condessa de Arundel.
A existência dos dois filhos
naturais de dom João foi mantida em segredo durante o atribulado período da
crise sucessória, tendo apenas sido dada a conhecer após a subida ao trono do
pai. Quando, em 1387, João I casou com dona Filipa de Lencastre os bastardos
régios foram admitidos na corte por iniciativa da rainha. Dona Filipa manteve
sempre uma boa relação com os seus enteados: dom Beatriz casaria com um parente
seu, o conde de Arundel, em Inglaterra, e dom Afonso estava presente em
Odivelas, com o seu pai e irmãos, aquando da morte da rainha, vítima de peste,
no ano de 1415. A sua mãe, Inês Pires, ingressou por altura do enlace de João I
com dona Filipa de Lencastre, no Convento de Santos-o-Velho, tendo sido a sua
12ª Comendadeira. Os filhos tinham direito a visitá-la e pensa-se que dona
Beatriz terá mesmo vivido no convento com a mãe até ter atingido a idade núbil».
In Maria Barreto D’Ávila, D. Fernando I. 2º duque de Bragança, Vida e
Acção Política, Dissertação de Mestrado, FCSHumanas, UNLisboa, 2009.
Cortesia de FCSH/UNL/JDACT
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