«Lourenço Viegas, filho de Egas Moniz e Dórdia Viegas, grande amigo de Afonso Henriques, casado com Maria Gomes, irmã de Chamoa Gomes. É o narrador da história.
Chamoa Gomes, filha de Gomes Nunes e
Elvira Peres de Trava, irmã de Maria Gomes e viúva de Paio Soares, de quem tem
três filhos, terá um quarto filho do seu primo Mem Rodrigues de Tougues, e terá
ainda dois filhos de Afonso Henriques, Fernando e Pedro Afonso.
Fátima, neta
do último califa de Córdova, filha de Hixam de Hisn e de Zulmira.
Zaida, neta
do último califa de Córdova, filha de Hixam de Hisn e de Zulmira.
Zulmira, neta
do rei de Sevilha e filha de Zaida de Sevilha. Casou em primeiras núpcias com Hixam
de Hisn, de quem tem duas filhas, Fátima e Zaida. Casou em segundas núpcias com
Taxfin, governador de Córdova. Morre em 1129.
Zaida de Sevilha, provavelmente
filha do rei de Sevilha Al-Mutamid, casa com Afonso VI e converte-se ao
cristianismo. É ficcionada a
existência de uma filha sua, Zulmira, e de duas netas, as princesas Zaida e
Fátima».
Coimbra, Páscoa de 1131
«(…) Enamorado,
sentiu primeiro paixão e depois, como quase sempre nos homens, um profundo medo
de a perder. O seu coração encheu-se de temor das rivalidades e perguntou: O
vosso amigo Mem, o almocreve, não vos visita? Zaida contou que já não eram tão
próximos como dantes, enquanto a mãe Zulmira fora viva, pois o pobre almocreve
ainda se torturava por não ter impedido a morte dela. Não teve forças para
matar o assassin recordou
Zaida. A sangrenta tragédia acontecera no casão agrícola do almocreve e as duas
princesas mouras só haviam escapado a uma morte horrível devido à súbita aparição
de Afonso Henriques, que eliminara o assassin,
atirando-lhe um punhal à garganta. Gonçalo recordou a importância da enigmática
arma, em cujo cabo se dizia ter sido gravado, em latim, o nome do local onde
estava escondida a relíquia sagrada, trazida pelo conde Henrique da Terra
Santa. Porém, Zaida limitou-se a suspirar, desalentada: nada sabia sobre o punhal
do falecido esposo de Chamoa, muito menos sobre Sohba, a sua tia bruxa, que
nunca mais reaparecera.
Filha, não é altura para falar disso...
Encolhendo os
ombros, Zaida murmurou que aquelas eram irrelevâncias sem sentido. A minha mãe
não vai ressuscitar, acrescentou. Vendo-a tão triste, o compassivo Gonçalo Sousa
abraçou-a e renovou a promessa de tomar conta dela e de levá-la para a sua Córdova
natal em breve. Mostrando-se grata, a hábil moura ofereceu-se outra vez,
arqueando para ele as nádegas.
Filha, valerá a pena dar-vos tanto?
Foi grande o contentamento de Gonçalo nos dias seguintes. Feliz
e enérgico, desaparecia todas as tardes sem explicar onde ia. Contudo, aquela
euforia pouco durou. Por razões que não estou certo serem as mais nobres,
Afonso Henriques anunciou que Gonçalo Sousa iria ser o alcaide do Castelo de Celmes,
cuja construção começaria em breve, tendo de rumar ao Norte depressa, para
dirigir as operações. Incrédulo, o nomeado protestou, invocou a sua recente e tórrida
amizade à princesa moura e chegou mesmo a acusar o príncipe de o querer afastar
dela, mas Afonso Henriques negou tal malícia, dizendo que também ele iria para Guimarães,
enquanto Zaida permaneceria em Coimbra. Pelo menos, deixai-me levá-la comigo!,
pediu o enamorado. O príncipe de Portugal não o autorizou, pois a possibilidade
de uma guerra com o Trava era real. Celmes não era lugar para uma rapariga, só para
destemidos e corajosos cavaleiros! Dias depois, zangado e contrariado, Gonçalo
partiu de Coimbra e, tal como ele, também pensei que a princesa moura se iria
entristecer de novo, mas não foi isso que se passou. A bela Zaida era um enigma
indecifrável. Seja como for, Afonso Henriques, embora talvez pelos motivos
errados, tomara a decisão certa. Celmes era um perigo, ainda bem que Zaida não
rumou para lá com Gonçalo.
Tui, Dezembro de 1131
Foi por minha exclusiva culpa que não conhecemos mais cedo os
planos do Trava contra o Condado Portucalense. Naquele Natal, eu e minha mulher
não fomos a Tui passar a quadra festiva com a família dela. Maria Gomes andava
indisposta há semanas e, convencido de que ela esperava finalmente uma criança,
recusei-me a viajar por temer os solavancos da estrada e a travessia do rio
Minho. Lourenço, não temais, sou resistente, contestou ela. Mas a decisão
estava tomada e, ao contrário do que fizéramos nos últimos anos, ficámos em
Guimarães, enquanto em Tui, como de costume, Gomes Nunes e Elvira Peres Trava,
os pais de Maria e Chamoa, aproveitaram a ocasião para reunirem os Trava. Por lá
apareceram Bermudo Peres Trava e sua esposa Urraca Henriques, irmã do nosso príncipe,
bem como o inevitável Fernão Peres. E, desta vez, compareceu também Mem
Rodrigues Tougues, filho de outro irmão Trava e pai do quarto filho de Chamoa,
nascido nesse verão. Embora não vivessem como marido e mulher, pois minha
cunhada recusara juntar-se ao primo direito, o filho comum forçava a aproximação
entre os dois. Da última vez que a havíamos visitado, Chamoa jurara-me que
jamais dividiria o leito com o Tougues, nem dele voltaria a procriar, por
continuar enamorada de Afonso Henriques. Porém, minha mulher, que conhecia bem
a mana, comentara na viagem de regresso: Chamoa não suporta os pés frios na
cama... No Natal, unem-se. Assim seria, embora não pelas razões previstas. Não
foi por falta de aquecimento pedestre que Chamoa se enfiou finalmente na cama
com Mem Tougues, mas sim por lealdade a Afonso Henriques, por mais estranho que
isso possa parecer». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, A Vitória
do Imperador, Casa das Letras, LeYa, 2016, ISBN 978-989-741-461.
Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT
JDACT, Domingos Amaral, História, Literatura, A Arte,