No Tempo do Arcebispo Teotónio de Bragança (1578-1602)
«Este
ensaio aborda a vertente mecenática de dom Teotónio de Bragança à frente do
Arcebispado de Évora, mostrando a importância dos seus empreendimentos
construtivos e de decoração artística e o modo actualizado como adaptou os
princípios tridentinos do restauro
storico e de revitalização das sacrae imagines em lugares de alegado culto paleo‑cristao.
Desenvolveu um novo tipo de arquitectura sacra servindo‑se de artistas de
formação romana, como o arquitecto Nicolau Frias ou o seu arquitecto e escultor
Pero Vaz Pereira. São muito relevantes as construções que custeou, como o
Mosteiro da Scala Coeli da Cartuxa , e muitas outras igrejas em vilas e aldeias
da Arquidiocese. A arte que nasce em Évora no fim do século XVI, sob signo da Contra‑Maniera, atinge assim um
brilho que rivaliza com os anos do reinado de João III e do humanista André
Resende. Velhos cultos e novos temas iconográficos emergem com dom Teotónio,
como os de São Manços, São Jordão, São Brissos, Santa Comba, São Torpes e
outros mártires considerados eborenses. Fez encomendas em Madrid, Roma e Florença
para enriquecer a Sé e o grandioso Mosteiro de Scala Coeli da Cartuxa, por si
fundado. Trata‑se, portanto, de um capítulo notabilíssimo da arte portuguesa
sob signo de Trento, que merece ser devidamente analisado» In Resumo.
Évora Tridentina. Uma Nova Roma
Dom Teotónio de Bragança (1530‑1602),
quarto Arcebispo de Évora, foi uma das mais fortes personalidades da Igreja
Católica portuguesa no final do século XVI, com uma acção que se manifestou em
vários domínios, incluindo os da política de fomento artístico, em que foi
verdadeiro mecenas. Sem deixar nunca de ser um Bragança, ou seja, um membro da
mais destacada família da nobreza portuguesa, investiu‑se de papel muito
relevante na implementação dos valores de reforma que a Igreja assumira a
seguir ao Concílio de Trento (1545‑1563). Homem de educação esmerada, já que,
depois de receber aprendizado livresco no Paço Ducal de Vila Viçosa, estudou Humanidades
no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra, a que se seguiu uma passagem por Roma,
com os jesuítas, e a frequência das Universidades de Paris e Bordéus, onde se
formou, Dom Teotónio teve oportunidade de viajar pela Europa do Renascimento, de
Itália a França, a Espanha e a Inglaterra, convivendo com as experiências
culturais que aí se desenvolviam. No contexto da nova situação política
estabelecida com o primeiro reinado da Monarquia Dual e o início da governação
filipina, por um lado, e com um dirigismo centrado em Évora nas vésperas do
triunfal Jubileu católico de 1600, por outro, o Arcebispo assumiu então um
papel decisivo no campo da arquitectura e ao nível do equipamento artístico das
igrejas da sua Arquidiocese, dando incremento aos focos influentes de
mecenatismo e revelando um gosto por demais actualizado em termos de soluções e
modelos seguidos.
A
cidade de Évora era vista, de há muito, como a segunda do Reino em importância
e notabilidade, tendo chegado a albergar a corte de João III por alguns anos e
sendo desde sempre elogiada pelo seu estatuto de Colonia Romana, com a sua muralha quase intacta, os seus
monumentos romanos, medievais e renascentistas, e a sua riqueza artística
consensualmente reconhecida. O cargo de Arcebispo de Évora era, pois, muito
ambicionado, ainda que impusesse um perfil de pessoa com especiais
responsabilidades, perfil esse encontrado em dom Teotónio de Bragança ao ser
indigitado em 1578, certamente por recomendação do cardeal dom Henrique, para
ocupar o cargo. Viviam‑se então as dramáticas circunstâncias políticas
decorrentes do desastre de Alcácer Quibir e da subsequente morte do monarca
Sebastião, o que levara o cardeal dom Henrique a ser designado rei, abandonando
o cargo arcebispal, e abrindo um período que, a breve trecho, desembocaria na
crise sucessória que levará Filipe II ao trono português. Embora sempre se tenha
destacado no múnus de
dom Teotónio de Bragança o aspecto catequético, no que cabe dizer a respeito da
prática pastoral empreendida, dos sínodos que organizou, da revisão de certos
aspectos teológicos segundo os princípios conciliares, do apoio assistencial
aos desfavorecidos e das estratégias gerais em favor do engrandecimento da
Arquidiocese (com dinâmicas que contrastam, de certo modo, com as do governo precedente
do Cardeal‑Rei dom Henrique, um homem da Renascença), a verdade é que também a
vertente cultural e construtiva ganhou peso com o seu governo, através de
empreendimentos de monta. Tal acento de proselitismo contra reformista só foi possível
porque se tratava de uma personalidade culta e viageira, que dispôs de uma base
muito sólida de investigação histórica, assente num gosto romanizado e na
consciencialização da importância de um património comum». In Vitor Serrão, Arte Religião e
Imagens em Évora, No Tempo do Arcebispo Teotónio de Bragança (1578-1602), 2015,
Fundação Casa de Bragança, 2015, ISBN 978-989-691-361-8.
Cortesia da FCdeBragança/JDACT
JDACT, Vitor Serrão, Cultura e Conhecimento, Caso de Estudo, Évora, História,