sábado, 11 de setembro de 2021

Domingos Amaral. Por Amor a uma Mulher. «Fingindo-se intrigado, Paio Soares perguntou: De que se tratava? Uma relíquia descoberta no Templo de Salomão, afirmou Gondomar»

 

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1126

Viseu, Sexta-Feira Santa, Abril de 1126

«(…) Lembro-me da sua desilusão, da sua amargura contra... Paio Soares suspendeu a frase, pois não desejava reabrir velhas feridas. O pai de Afonso Henriques não se zangara apenas com o imperador, que entretanto morrera, mas também com as filhas dele, uma delas a sua esposa, que agora estava ali e que tinha acabado de o convidar para mordomo-mor. Dona Teresa, evitando também reavivar memórias polémicas, lamentou-se: O meu marido perdeu-se, a sua cabeça já não estava capaz! Caiu um curto silêncio entre o grupo, como se ninguém quisesse insistir naquela conversação. Contudo, uns instantes depois, Gondomar voltou a falar: Um cavaleiro francês entregou ao conde Henrique algo muito valioso, que ele deveria ter deixado em Cluny, no regresso da Terra Santa. Porém, o conde veio directo para Portugal e depois morreu. Fingindo-se intrigado, Paio Soares perguntou: De que se tratava? Uma relíquia descoberta no Templo de Salomão, afirmou Gondomar. Tentaremos procurá-la em Soure. Fernão Peres concordou e dona Teresa sorriu, aliviada, colocando um fim ao colóquio. O casal régio afastou-se a caminho da porta da igreja. Porém, Paio Soares permaneceu junto ao velho de manto branco. Tentando não revelar a sua aflição, perguntou-lhe: Como sabeis que essa relíquia se encontra em Soure? Levando a mão esquerda à longa barba, Gondomar esclareceu-o: Há vários anos, desde que o nosso mestre Hugo de Payns regressou a França, que a procuramos. Já sabemos que não está em Astorga, nem em Guimarães, nem em Sintra. E sabemos que, quando passou pela última vez em Coimbra, o conde Henrique e mais dois homens se ausentaram durante uns dias. Foram a Soure...

Desta vez, o velho cavaleiro fixou os olhos do outro e perguntou: Não sabeis quem eram os dois homens que o acompanhavam? Paio Soares voltou a abanar a cabeça. Desconfiado, Gondomar manteve o seu olhar no dele e depois murmurou: Sendo vós o alferes-mor do conde, é estranho. Mas, como haveis dito, já foi há muito tempo. Embora eu, que sou mais velho do que vós, me lembre bem do que fiz há catorze anos. Depois de proferir esta enigmática frase, o velho de manto branco caminhou para a porta da igreja de Viseu. Aquela história de morte e de perigo regressava. Paio Soares afastara-se, depois do envenenamento do conde Henrique, com receio das ameaças de Urraca. Mas, agora que a rainha de Leão e Castela morrera, acreditou que podia reaproximar-se de dona Teresa, mesmo negando mais uma vez a verdade.

Depois do que investiguei, admito que as suas omissões e mentiras sobre a relíquia se devam a uma antiga promessa feita ao conde Henrique, de que só revelaria a verdade ao seu filho, Afonso Henriques. Porém, há quem diga que foi outra a razão: Chamoa, a mulher que ambos amavam.

Naquela Sexta-Feira Santa, como era costume, estava proibida a ceia, e todos praticavam o jejum e a abstinência. Não se admitiam também danças, a música das violas e dos alaúdes, jogos de dados, ou a presença dos jograis, dos bobos e das soldadeiras. Os nobres que tinham acorrido a Viseu, convocados para passarem a Páscoa com dona Teresa, sabiam de antemão que o dia não era destinado a convívios públicos e muito menos a encontros amorosos, e pela nona hora todos recolheram às respectivas casas. Dentro das muralhas, existiam várias habitações dignas, e na mais imponente delas estavam instalados dona Teresa e o seu amante; a primogénita Urraca e o marido Bermudo; a segunda filha, Sancha Henriques; e ainda a cunhada Elvira de Trava, juntamente com o marido e as duas filhas. Além destes, num quarto recatado nos fundos dormiam também as três mouras». In Domingos Amaral, Assim Nasceu Portugal, Por Amor a uma Mulher, Casa das Letras, LeYa, 2015, ISBN 978-989-741-262-2.

Cortesia de CdasLetras/LeYa/JDACT

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