Karlruhe. Alemanha, Dezembro de 1649
«(…) Nessa
sexta-feira da chegada dos livros, depois da entrega à secretária de todos os
documentos necessários e decorrentes da função de bibliotecário, o Historiador
despede-se da mulher e começa a descer de forma ligeira a escadaria do edifício
com o volume que havia começado a ler no saco. Dirige-se a um supermercado, a
fim de comprar umas coisas em falta em casa, e ruma à Rua Ferreira Borges, onde
no n.º 38, no 1.º andar, se abria uma porta a várias felizes recordações,
configuradas em dezenas de fotografias do casal, tiradas em felizes momentos
pelos país e estrangeiro, e à infelicidade da realidade. O sexagenário aquece
um prato pré-confeccionado no micro-ondas, come de forma ligeira na cozinha,
coloca a louça suja no lava-louça, arruma as compras nos devidos armários e no
frigorífico, pega no seu saco e dirige-se para o seu santuário, um escritório
com papéis empilhados quase até ao tecto, com sobreposições de livros que faziam
lembrar os edifícios das cidades americanas, e com mais fotografias espalhadas
por tudo o que era canto, para as quais o velho estudioso olhava mais vezes do
que devia.
Carlos
Nóbrega já não andava de comboio há alguns anos. Encontrava-se no momento no
interior do confortável Alfa Pendular, olhando as árvores, as casas e os postes
a passarem a alta velocidade do lado de fora da janela. Iria passar o dia na
cidade do Porto, tendo em mente a remota possibilidade de encontrar,
encontrando-o em pessoa ou perguntando por ele a alguém, o mercador Bernardo
Faria. Dormira durante grande parte do trajecto e acordara já nas imediações da
cidade. O historiador abandona o comboio e camufla um espreguiçar na plataforma
da estação. Pensara em fazer a viagem ainda estava a ler madrugada dentro,
materializando que se queria acordar para apanhar cedo o comboio tinha que se
ir deitar. Assim fora. Estava no momento na histórica cidade do Porto e estava
por isso ansioso. Queria visitar algumas igrejas e locais de interesse
histórico, falar com algumas pessoas... Procurar Bernardo Faria. O Historiador
começa a caminhar, levando dentro do seu saco o pesado livro que estava a ler.
Eram por volta das 10h30. Aos sábados o Arquivo Distrital do Porto fechava às
13h00, e Carlos Nóbrega ainda por lá queria ver umas coisas. À saída da estação
de S. Bento, apanha um táxi e demanda a corrida para o Arquivo Distrital, na
Rua das Taipas. Entra no edifício e dirige-se à recepção, onde um jovem homem o
atende. Bom dia, cumprimenta o Historiador. Bom dia, responde o jovem. Em que
posso ajudá-lo?, pergunta de solícita forma.
Chamo-me Carlos Nóbrega, Historiador e bibliotecário da Biblioteca
Nacional. Acabo de chegar de Lisboa. Será possível consultar alguns livros ou
documentos que falem da vila de Óbidos? Com
certeza, Dr. Nóbrega. Tenho só que registar aqui os seus dados... Portanto,
Carlos Nóbrega... ia o homem escrevendo numa folha de cálculo no computador, à
medida que falava. Morada, Doutor? Rua
Ferreira Borges, n.º 38, 1.º frente... É
suficiente, o programa já tem aqui o código postal... Aqui é tudo, Doutor.
Agora dirige-se lá dentro à minha colega, a qual o ajudará a encontrar o que
pretende. Ah, tem direito a dez digitalizações, as quais pode enviar para um
e-mail ou levar como fotocópias,
informou o jovem recepcionista. Muito
obrigado. Até já, então. Ah, trago comigo um livro, diz o homem, à medida que vai mostrando a castanha encadernação. Este é mesmo da
Biblioteca Nacional, não fossem depois à saída pensar que havia levado daqui
algum exemplar, o jovem homem
esboçou um sorriso». In Jorge Durão, A Herança de Rosa-Cruz, O Tesouro
Perdido de Óbidos, Edição do Autor, 2013, ISBN 978-989-866-401-3.
Cortesia de JDurão/JDACT
JDACT, Jorge Durão, Óbidos, Literatura,