«(…) Normalmente, Maria Antónia cobria-se de rigoroso luto e de muitas cautelas. Ficava no seu canto, tratava da sua vida, não dava nas vistas. Era sensato uma pessoa ser discreta naquela época de grandes perseguições. Ainda estava no espírito de todos os acontecimentos que cobriram de sangue a recente história do reino. E, por mais anos que passassem, não seriam esquecidos. Por ordem do rei José I, que era o mesmo que dizer por ordem do seu ministro Sebastião José Carvalho Melo, Leonor Tomásia Távora fora decapitada no patíbulo; o marido, os filhos e o genro tinham sido despedaçados a golpes de maço; o duque de Aveiro tivera a mesma sorte e o resto da família e outras dezenas de fidalgos estavam há anos enterrados vivos nas enxovias das prisões do Estado. Os padres da Companhia de Jesus, tinham sido presos e expulsos, do reino com aviso para não voltarem. Todos eles, nobres e padres, foram considerados traidores e acusados de uma conspiração para matar o rei.
José I voltava clandestino de um encontro
nocturno com a amante, Teresa de Távora, quando foi surpreendido por uma
emboscada. Desse atentado, a única prova concreta era um ferimento horrível no braço
de Sua Majestade e os estragos das balas na carruagem do seu criado, o sargento--mor
Pedro Teixeira. Quanto aos supostos conspiradores, que foram presos, julgados e
executados, nunca se provou verdadeiramente a sua culpa. O que se provou sim foi
que a autoridade de Sebastião José Carvalho Melo era mais poderosa do que qualquer
ler e capaz de manipular o processo que os condenou.
Esta enxurrada de acontecimentos funestos
e traumatizantes decorrera nos últimos anos, já depois do arrasador terramoto que
destruíra Lisboa, Cascais, o Algarve e muitas outras regiões do reino. Tinham passado
doze anos e quatro meses desde a catástrofe, mas as ruas da capital continuavam
cheias de buracos, de lama e de montes de entulho no lugar das casas de antigamente.
O lixo amontoava-se ao ar livre e cães esfomeados e raivosos deambulavam em matilha
pelos escombros da cidade». In Tiago Rebelo, A História do
Bichinho-de-Conta, Edições ASA II, 2022, ISBN 978-989-235-394-4.
Cortesia de ASA/JDACT
JDACT, Tiago Rebelo, Literatura, História, Século XVIII,