«(…) Estrujo a tempestade, estrondeio nuvens prenhas de negrume, fuzilo relâmpagos, fendo os céus e ribombo timbales, tambores, tímpanos, o cascalhar da trovoada pelas quebradas. Rujo, uivo, silvo, zimbro, bramo a floresta, matraqueio árvores estilhaçadas, dedilho harpas de pinhais, alaúdes de choupos, salteiros e sistros de carvalhedos. Bravejo as fúrias dos mares, refervo o cachão das vagas de encontro aos rochedos, espadano escumas enraivecidas, ressoo trompas de cavernas e furnas, trompetes, clarinetes, fagotes, flautas de canaviais e olmeiros, oboés, cornamusas, olifantes… Mors stupebit et natura... a própria Morte se espantará... Ululo os ecos dos vales, soluço, aio, choro a seda dos meus arcos pelos violoncelos e violinos do cordame dos navios, nos búzios das velas dos moinhos, rufo as varas da chuva por telhados e ruas... Desfaleço a fúria. Num urro final grito o meu Dies irae... \
Em seu gabinete de Bruxelas,
Guilherme de Orange acaba de ler o papel que tem em mãos e levanta os olhos para
Heinrich van Brederode. Johann e Philips Marnix van Sint-Aldegonde e os jovens fidalgos
moços que os acompanham: Este texto de compromisso entre católicos e calvinistas,
para entreajuda contra os desmandos de Granvelle e da Inquisição (maldita), agrada-me sobremaneira.
Receio, no entanto, vá provocar o assanho do rei. Vede, senhor estatúder, que são
centenas as adesões de fidalgos de ambas as crenças, opõe Brederode. Senhor
conde, serão mais centenas de cabeças que rolarão no cadafalso. Que sugeris então,
príncipe? Prudência. Mas... Resumi o texto a uma petição que seja solenemente
entregue por vós à regente Margarida.
Tem Vossa Alteza razão, aceita Johann
Marnix. Convocaremos as centenas de coligados e cavalgaremos para o palácio da duquesa.
Eu tratarei de solicitar audiência, diz Brederode um pouco desalentado.
Gelosias espreitam curiosas: Que tropel
é este na calçada, senhora Cornélia? Ah, mademoiselle Schwartze, não faço ideia.
Praí a revolução que começou, diz a senhora Huygens. Em meio da estropeada faíscam
em baixo ferraduras das montadas, e gentinha começa a encher as ruas de Bruxelas
a aclamar os valentes, encabeçados por Heinrich de Brederode. Obra de duzentos fidalgos.
Encaminham-se para o palácio da regente Margarita, meia-irmã do rei Felipe de
España.
Porque consenti eu em dar-lhes audiência?,
inquieta-se temerosa, em seu salão, a duquesa de Parma, rodeada dos conselheiros.
Divididos coração e espírito, entre piedade e obediência ao rei meu irmão...
El-rei, Madame, diz o cardeal Perrenot de Granvelle, 'exige severo castigo dos
hereges. Não tem pendor para a violência o lencinho de rendas de Mechelen que Margarita
leva aos olhos. Margherita, Margareta, Margarida… querida pérola… margarita ad pullos... pobre duquesa!.. Nada
receeis, Madame, diz o conde de Berlaymont. Não passam de maltrapilhos». In Fernando
Campos, O Lago Azul, Difel, 2007, ISBN 978-972-290-874-0.
Cortesia de Difel/JDACT
JDACT, Fernando Campos, 18º Rei de Portugal, dom António Prior do Crato, Genebra, Conhecimento, Literatura, História,