Velho Motivo
«Soneto de Jacob, pastor antigo,
soneto de Raquel, serrana bela...
Oh! quantas vezes o relembro e digo,
pensando em ti, como se foras Ela!
O que eu servira para viver contigo,
tão doce, tão airosa e tão singela!
Assim, distante do teu rosto amigo,
em torturar-me a ausência se desvela!
E vou sofrendo a minha pena amarga,
pena que não me deixa nem me larga,
bem mais cruel que a de Jacob pastor!
Raquel não era dele, e sempre a via,
enquanto que eu não vejo, noite e dia,
aquela que me tem por seu senhor!»
No
Deserto
«Chegaram os camelos junto ao poço,
Quando Rebeca tinha a urna cheia.
Foram momentos esses de alvoroço,
Bem raros de encontrar em terra alheia.
Também meu coração, menino moço,
Nos cardos do caminho se golpeia.
Ouço-te os passos, dentro de alma eu ouço
O eco dos teus passos sobre a areia.
Busquei-te no deserto longamente...
Como Rebeca outrora, condoída,
Surgiste, calma, na poeira ardente.
De ânfora baixa, à boca da cisterna,
Ficaste assim, para toda a tua vida,
Matando a minha sede, que é eterna!»
Sonetos de António Sardinha, in CHUVA DA
TARDE, 1923
Cortesia de PVercial/JDACT
António Sardinha. Alto Alentejo, Poesia, Monforte, A Arte,