Com a devida vénia ao Doutor José Carlos Gimenez
De Infanta Aragonesa a Rainha a Rainha de Portugal
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Assim como em relação ao nascimento, as informações relacionadas à infância de
Isabel também são escassas. Alguns autores indicam que a futura rainha de
Portugal viveu seus primeiros anos em Saragoça, sob a tutoria do avô, Jaime I; período
em que ela realizou seus primeiros contactos com os frades franciscanos, que
mantinham uma relação muito próxima com a corte aragonesa. Com a morte do avô,
em 1276, a Infanta passou aos cuidados dos pais, porém continuou a receber uma
formação educacional e religiosa nos princípios franciscanos até completar dez anos,
quando foi a Portugal para casar-se com o rei Dinis.
Como estratégia política, o
ritual que envolveu o casamento de Dinis com Isabel foi marcado por um período
de intensa troca de informações entre os dois reinos para se certificarem de
que se tratava de uma aliança benéfica. Nessas negociações, como em outras que
aconteceriam durante a vida da Rainha Isabel, o papel dos procuradores foi de
fundamental importância para estabelecer os compromissos e obrigações entre as
duas monarquias peninsulares. As negociações iniciaram-se, em 1280, com a
visita dos embaixadores portugueses à corte aragonesa, E avendo dous anos que elRey D. Denjs
reynaua, (...) ouujndo a fama e bondade da Iffante, desejou de a auer por
molher. E estando em Estremoz, ordenou seus procuradores (...) e emujoua a pedir
a el Rey de Aragão seu padre. Em Fevereiro de 1281, foram
assinados os acordos, em Barcelona, pelos embaixadores dos dois reinos e, em Abril
do mesmo ano, os representantes dos dois reinos reuniram-se em Vide, agora com
a presença de Dinis para selarem o contrato matrimonial.
As negociações foram retomadas em
Novembro de 1281, quando Dinis nomeou os embaixadores portugueses para fazerem
o casamento, que se realizou em Fevereiro de 1282, em Barcelona, sem a presença
do rei português: Eu Isabel filha do Excelente D Pedro, por graça de Deos
illustre Rey de Aragão, faço entrega de mim para muher legitima a vos Dõ Dinis
pela graça de Deos Rey de Portugal, & Algarue, e ainda que ausente, mesmo
que se estiuereis presente.
A ausência do rei na cerimónia é
apenas mais um detalhe, entre outros, que envolvia os rituais de casamento
naquele período: No entanto, as bênçãos matrimoniais só foram celebradas na
igreja de São Bartolomeu, em Trancoso, em Julho de 1282, onde o rei e os
representantes da corte esperavam a infanta Isabel.
Depois que ali chegarom, acharom o infante D. Afonso de Portugal, irmão
delrey D. Dinis, e o conde de Portugal a que diziam D. Gonçalo, e outros muitos
cavaleiros de Portugal e prelados, que ali atendiam a rainha. E, depois que o ifante
D. James aqueles achou, tornou-se pera Castela e leixou a rainha aaqueles
portugueses; e chegarom com ela aa vila de Trancoso, e ali chegou elrey D.
Dinis e ali se fezerom as bodas e deu elrey oficiaes e terras aa rainha.
Estabelecidos os compromissos entre
os dois reinos, o casamento do rei português com a Infanta aragonesa
necessitava ainda, para ser finalmente reconhecido pelos súditos do reino, ser
legitimado pela Igreja, questão esta que não seria resolvida de imediato devido
às constantes lutas entre a Coroa e a Igreja. As inúmeras tentativas de
assentar um acordo com o papado para o restabelecimento das práticas religiosas
no reino era um legado que o pai de dom Dinis, Afonso III (1248-1279), havia
lhe deixado. Segundo Mattoso, as rivalidades entre os monarcas da primeira
dinastia portuguesa com o clero local estão relacionadas também, à tentativa
dos reis de estabelecer um limite aos poderes senhoriais da nobreza e do clero
sobre as terras da coroa. Embora os reis procurassem se acercar de uma nobreza
que lhes desse apoio, procuravam, por meio dos laços de vassalagem, um grupo
limitado formado pelos mais poderosos; o que não excluía a rivalidade. Essa
tentativa de equilíbrio, realeza/nobreza, alterou-se desde o reinado de Afonso
II (1211-1223) devido à prematuridade da afirmação do poder régio contra os
privilégios dos poderes senhoriais, fossem eles do clero, das ordens militares,
da alta ou da pequena nobreza. A conjuntura política do reino ficaria mais
delicada ainda no governo de Sancho II (1223-1248). Esse rei, diferentemente do
seu antecessor, não conseguiu travar o avanço dos poderes senhoriais sobre as
terras do reino e sobre os poderes da Igreja local, situação que levaria, a
partir de 1245, os descontentes do reino e os bispos portugueses, com o apoio
do papa Inocêncio IV (1243-1279), a destituí-lo do poder e nomear seu irmão,
Afonso III, como substituto ao trono. Ainda segundo Mattoso, os contactos que
Afonso III havia feito com o desenvolvimento da centralização monárquica foram
postos em prática pelo rei francês Luis IX (1226-1270), no tempo em que esteve
naquele reino como conde de Bolonha. Isso possibilitou-lhe, após a guerra civil
(1245-1248) e a morte do rei Sancho II, reorganizar a administração do reino
sujeitando clero e nobreza, tanto na esfera da política fiscal como da
judicial. Facilitado pela decadência das antigas linhagens, dom Dinis
avançaria, ainda mais, a política de centralização do reino por meio do aperfeiçoamento
da justiça e da recuperação dos direitos senhoriais sonegados pela nobreza, por
meio de repetidas inquirições». In José Carlos Gimenez, A Rainha Isabel nas Estratégias Políticas da
Península Ibérica 1280-1336, Teses de Doutoramento, UF do Paraná, Ciências
Humanas, 2005.
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