«Se a prostituição é a mais antiga profissão do mundo, então a arte refinada de ser uma amante deve ser a segunda.
Ao imaginarmos a amante mais sofisticada - aquela adequada a
um rei -, vemos uma imagem enevoada e difusa de uma mulher cujas mãos
acariciaram e moldaram a história. Permanece, em geral, nas sombras de um mundo
onde a luz dos holofotes brilha apenas para os homens que delinearam a história.
Apenas ocasionalmente, ouvimos o farfalhar de uma saia de seda ou um riso
musical ecoando atrás do trono.
A ascensão das amantes reais nas cortes européias foi um
acontecimento súbito, surgido ao término das névoas medievais. Durante mil anos
depois da queda de Roma, o pecado real escondia-se entre as espessas cortinas
das camas de dossel e era lamentado na escuridão abafada de um confessionário.
A poderosa Igreja Católica desaprovava o adultério e as mulheres pecadoras da
corte eram mantidas rigidamente em segundo plano.
Algumas vezes, o prenome de uma mulher relacionava-se a um
monarca feudal, uma certa Maude ou Blanche, mas nada mais se sabia. Inúmeros
bastardos reais reconhecidos pelos reis pareciam ter brotado de um ar etéreo, e
podia-se apenas presumir que tinham mães. Esse grande desconhecimento sobre as
relações amorosas dos reis origina-se não só das exigências de discrição da
Igreja. O analfabetismo reinava tanto quanto os próprios monarcas, a maior
parte deles incapazes de assinar seus nomes.
Apenas em razão de sua avareza, conhecemos algo sobre a
amante medieval inglesa Allice Perrers. A cortesã de Eduardo III (1312-1377), a
gananciosa Alice, usou sua posição durante a última década da vida do velho
monarca para pilhar as finanças reais, tornando-se uma das maiores
proprietárias de terras da Inglaterra. Explorando habilmente a senilidade de
Eduardo, convenceu-o a comprar sem cessar as mesmas jóias para ela, guardando o
dinheiro que recebera para adquiri-las. Se isso não bastasse, sentada ao lado
do leito de morte do amante, Alice retirou anéis valiosos de seus dedos
enrijecidos e os escondeu. O Parlamento, escandalizado, confiscou suas
propriedades em 17 condados, suas jóias (incluindo 21.868 pérolas) e outros
presentes dados pelo rei. A litigante Alice passou o resto de sua vida na corte
tentando recuperar seus bens, como documenta os registos do Tesouro, decretos
parlamentares e processos judiciais.
A rusticidade dos ingleses não condizia com o refinamento da
corte francesa. Após setenta anos da conduta vergonhosa de Alice Perrers, o
protótipo da amante real surgiu envolto em uma glória dourada, como uma
fênix ressurgindo das cinzas da Idade Média. Agnes Sorel foi o exemplo típico
de uma mulher francesa na corte francesa, que exerceu sua influência política
sobre o país e o rei. A graciosa Agnes conseguiu tirar Carlos VII (1403-1461)
de sua débil apatia para reorganizar suas tropas e expulsar os invasores
ingleses do solo francês. Carlos, um homem tristonho, de baixa estatura e
pernas tortas, envolto em seus mantos espessos, foi um rei medíocre antes de
Agnes e voltou a ser inexpressivo após sua morte.
O retrato mais antigo de uma amante real foi o de Agnes,
pintado por Jean Fouquet em 1449, uma época em que retratos seculares ainda
eram raros, e muitas pessoas ricas e famosas subornavam os artistas das igrejas
para retratá-las nas imagens dos santos. Curiosamente, Agnes foi retratada como
a Virgem Maria em um painel duplo de uma igreja. Nesse painel, agora no museu
Koninklijk, em Antuérpia, Agnes, usando uma coroa e uma capa de arminho, mostra
um seio firme e farto para o menino Jesus, que parece indiferente e olha em
outra direcção. O outro painel, no entanto, hoje no Staatliche Museum de
Berlim, mostra seu grande amigo, Etienne Chevalier, de joelhos em uma
idolatrada devoção. O díptico da amante do rei, mãe de seus filhos ilegítimos,
pintada como a Mãe de Deus, deve ter chocado os devotos ainda mais diante da
visão do amigo idolatrando seu seio exposto». In Eleonor Herman, Sexo
com Reis, 500 Anos de Adultério. Eleonor
Herman, Editora Objetiva, 2005, ISBN 978-857-302-734-1.
Cortesia de EObjetiva/JDACT
JDACT, Eleonor Herman, Literatura, Conhecimento, Sexo, Reis,