De Xátiva a Roma. 1378-1458. As Origens dos Bórgias
«Assim,
em 8 de Abril de 1455, foi cumprida a profecia de Vicente Ferrer, e Alonso de
Borja subiu ao trono de Pedro como Calisto III. Como todos sabiam, ele era um
homem com família. Em outras palavras: o que não faltavam eram potenciais
nepotes. O facto de os eleitores não terem visto isso como um obstáculo está
possivelmente relacionado ao problema de o nepotismo ser considerado, em grande
parte, coisa do passado, não apenas por meio da moderação imposta pelos
próprios papas, mas também pela delicada pressão por parte do cardinalato.
Ambos tinham contribuído
para que, nos dois últimos pontificados, não tivessem sido observadas situações
desagradáveis a esse respeito. O papa recém-eleito poderia nomear cardeal um
sobrinho qualquer ou, se necessário, melhorar o estilo de vida de parentes mais
próximos. Assim versavam as regras vinculativas de decência que se
orientavam em uma categoria aristocrática de nepotes, mas de forma alguma
principesca ou mesmo dominante. Comparado ao nepotismo igualmente aventureiro e
caótico de Bonifácio IX (1389-1404), que concedeu a seus numerosos parentes
napolitanos metade da região do Lácio, como também abundantes prestimónios,
isso já era um passo à frente. A inviolabilidade desses padrões precisava, no
entanto, ser colocada à prova.
Desse modo, todas
as atenções se voltaram ao idoso homem de Xátiva e seus jovens sobrinhos. Do
ponto de vista do rigoroso moralista, para o qual o papa não tinha parentes
consanguíneos, mas apenas espirituais, e precisamente em todos os lugares onde
reinavam o mérito e o merecimento, o início foi marcado por uma positiva
surpresa. No começo, fez-se pouco em termos de apoio à família. Rodrigo Bórgia
e seu primo Luís Juan de Mila foram agraciados com lucrativos benefícios, mas
permaneceram estudando Direito em Bolonha. Porém, a alegria dos zelanti, que eram os reformadores
zelosos, não iria durar muito. Em Fevereiro de 1456, a nomeação simultânea de
Rodrigo e Luís Juan de Mila a cardeais pôs fim a todas as esperanças de conter
o nepotismo. Pior ainda: estava violada a regra mais importante da ainda
recente autorrestrição. Acrescente-se a isso que esses dois chapéus vermelhos
foram só o começo. Calisto III tinha agora pressa em elevar o prestígio de sua
família. Provavelmente, temia já ter esperado demais. Aparentemente, os
escrúpulos iniciais que se opuseram à promoção intensiva de seus parentes de
sangue tornaram-se obstáculos definitivamente eliminados. Só é possível presumir
de que maneira se deu essa mudança de atitude: por sugestões ao pé do ouvido de
conselheiros que perseguiam seus próprios interesses, mas provavelmente também
pelos pedidos ou exigências dos próprios sobrinhos.
Esses não podiam
agora se queixar da moderação de seu tio. O mais enérgico e persuasivo dos dois
novos purpurados, Rodrigo, tornou-se vice-chanceler em 1457, passando a
ocupar o mais importante e lucrativo posto dentro da cúria depois do papado. As
tarefas associadas a essa função consistiam em cuidar da torrente de
solicitações de concessão de indulgências que chegavam a Roma vindas de toda a
cristandade. O papa reservava-se o direito de tomar decisões apenas em casos
ligados a círculos políticos mais amplos, mas, geralmente, apreciava essas causes célèbres depois de
uma prévia avaliação de seu vice-chanceler. Dessa maneira, esse último assumiu
uma posição-chave. A jurisdição clerical estava longe de ser apenas responsável
por litígios dentro do clero, mas também por grande parte do direito da família
e do casamento.
Nesse domínio
sensível, os canonistas tinham criado uma infinidade de obstáculos, restrições
e proibições que exigiam decididamente a concessão de derrogações. Era imensa a
necessidade de concessão de graças e indultos, ou seja, dispensas provenientes
dessas complicadas regras. Em outras palavras: no palácio do vice-chanceler
convergiam laços, por meio dos quais era possível estabelecer ligações com os
poderosos de todo o planeta. Permissão para casar, apesar do grau de parentesco
muito próximo, legitimação de filhos bastardos, absolvição de promessas incómodas:
tudo isso tinha o seu valor de contrapartida e sua utilidade. E,
principalmente, o vice-chanceler passou a ter acesso irrestrito a desagradáveis
segredos que os poderosos não queriam que se tornassem públicos». In Volker
Reinhardt, Alexandre VI, Bórgia, o Papa Sinistro, 2011, Editora Europa, 2012,
ISBN 978-857-960-127-9.
Cortesia de EEuropa/JDACT
JDACT, Vaticano, Religião, Volker Reinhardt,