quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

A Bela Poesia: António Ferreira. «Ó olhos, cujo fogo a neve fria acende e queima; ó olhos poderosos de dar à noite luz, e vida à morte!»

(1528-1569)
Cortesia de rmmv

Livro I dos Sonetos
14

Ó olhos, donde Amor suas frechas tira
contra mim, cuja luz m'espanta e cega;
ó olhos, onde Amor s'esconde, e prega
as almas e, em pregando-as, se retira!

Ó olhos, onde Amor amor inspira,
e amor promete a todos, e amor nega;
ó olhos, onde Amor tão bem s'emprega
por quem tão bem se chora, e se suspira!

Ó olhos, cujo fogo a neve fria
acende e queima; ó olhos poderosos
de dar à noite luz, e vida à morte!

Olhos por quem mais claro nasce o dia,
por quem são os meus olhos tão ditosos,
que de chorar por vós lhes coube em sorte.
António Ferreira

Cortesia de tertuliabibliofila

Livro II dos Sonetos
9

Co'a alma nos céus pronta, o espírito inteiro,
leve o sembrante, a vista graciosa,
aquela, antes da morte já gloriosa,
esperava o combate derradeiro.

de santa fé armada e verdadeiro
amor divino, venceu a espantosa
morte, que nela pareceu fermosa,
e nova estrela a fez no céu terceiro.

E tomando-me a mão leda, e risonha
- Meu doce amigo -diz - vinda é minh'hora.
Quem nos assi cá atou soltou o nó.

Quem mais cuida que vive, esse mais sonha.
Lá onde se não geme, nem se chora,
t'amará mais est'alma, o corpo é pó.
António Ferreira

JDACT