Madrid
«(…) Todos se levantaram para
sair, à excepção do coronel Acoca, que ficou. Leopoldo Martínez começou a andar
de um lado para o outro. Malditos bascos. Porque não podem ficar satisfeitos em
serem apenas espanhóis? O que mais querem? São ávidos por poder, disse Acoca.
Querem autonomia, sua própria língua e bandeira... Não enquanto eu ocupar este
cargo. Não permitirei que destruam a Espanha. O governo lhes dirá o que podem e
o que não podem fazer. Não passam de uma ralé (?) que... Um assessor entrou na
sala. Com licença, Excelência. O bispo Ibáñez chegou. Mande-o entrar. Os olhos
do coronel contraíram-se. Pode estar certo de que a Igreja se encontra por trás
de tudo isso. É tempo de lhes ensinarmos uma lição. A Igreja é uma das grandes
ironias da nossa história, pensou o coronel Acoca, amargurado.
No começo da Guerra Civil, a
Igreja Católica ficara do lado das forças nacionalistas. O papa apoiava o
Genralíssimo Franco, e com isso lhe permitira proclamar que lutava no lado de
Deus (?). Mas quando as igrejas, mosteiros e padres bascos foram atacados, a Igreja
retirara esse apoio. Deve conceder mais liberdade aos bascos e catalães,
exigira a Igreja. E deve suspender as execuções de padres bascos. O Generalíssimo
Franco ficara furioso. Como a Igreja ousava fazer exigências ao governo? Iniciara-se
então uma guerra de atributos. Mais igrejas e mosteiros foram atacados pelas
forças de Franco. Freiras e padres foram assassinados. Bispos foram postos sob
prisão domiciliar, e sacerdotes por toda a Espanha foram multados por fazerem
sermões considerados sediciosos pelo governo. Só quando a Igreja o ameaçou de
excomunhão é que Franco interrompeu os ataques. A maldita igreja!, pensou
Acoca. Voltara a interferir após a morte de Franco. Ele virou-se para o
primeiro-ministro.
É tempo do bispo ser informado
sobre quem manda na Espanha. O bispo Calvo Ibáñez era magro, aparência frágil,
uma nuvem de cabelos brancos turbilhonando em torno da cabeça. Olhou os dois
homens através do pincenez. Buenas
tardes. O coronel Acoca sentiu a bílis subir pela garganta. A mera visão
dos cléricos deixava-o doente. Eram traidores levando seus estúpidos cordeiros
para o matadouro. O bispo ficou parado, à espera de um convite para se sentar.
O que não aconteceu. E também não foi apresentado ao coronel. Era uma desfeita deliberada.
O primeiro-ministro olhou para Acoca, em busca de orientação. O coronel disse,
bruscamente: recebemos algumas informações desagradáveis. Dizem que rebeldes bascos
estão realizando reuniões em mosteiros católicos. Também há informações de que
a Igreja está permitindo que mosteiros e conventos guardem armas para os
rebeldes. Havia ódio na sua voz. Ao ajudarem os inimigos da Espanha, vocês também
se tornam inimigos da Espanha. O bispo Ibáñez fitou-o em silêncio por um
momento, depois virou-se para o primeiro-ministro Martínez. Com todo o respeito,
Excelência, somos todos filhos da Espanha. Os bascos não são inimigos. Tudo o
que pedem é liberdade para... Eles não pedem!, bradou Acoca. Exigem! Circulam
pelo país saqueando, assaltando bancos e matando polícias... E ainda ousa dizer
que não são nossos inimigos? Reconheço que houve excessos indesculpáveis. Mas às
vezes, quando se luta por aquilo em que se acredita... Eles não acreditam em
coisa alguma, a não ser em si mesmos. Não se importam com a Espanha». In
Sidney Sheldon, As Areias do Tempo, 1989, Publicações Europa-América, 2003, ISBN 978-972-105-176-8.
Cortesia PEuropaAmérica/JDACT
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