«(…) Ele passou por duas parabólicas, conectadas a satélites, e um acampamento militar improvisado, antes de entrar numa estrada pavimentada que o levou ao centro de um grande aglomerado que já havia avistado do topo da duna: Siwa Town. O lugar estava praticamente deserto. Duas carroças puxadas a burro avançavam ruidosamente pela estrada e, na praça principal, um grupo de mulheres agrupava-se ao redor de uma imunda barraca de vegetais, seus xailes de algodão cinza puxados sobre os rostos. Todas as demais pessoas haviam se refugiado nos prédios devido ao calor do meio-dia. Ele encostou o carro num dos lados da praça, logo por baixo de uma barreira de pedras encimada por edificações em ruínas e, pegando num grande envelope de papel pardo do banco traseiro, saltou e atravessou a praça, não se preocupando em trancar as portas do veículo. Parou num armazém geral e conversou brevemente com o proprietário, passando-lhe um pedaço de papel e um maço de dinheiro, e fazendo um sinal de cabeça indicando o Toyota, depois seguiu adiante, virando numa rua transversal, e entrou num prédio decrépito com o letreiro Welcome Hotel pintado na lateral. Assim que entrou, um homem atrás de um balcão saltou à frente com um grito de alegria e apressou-se em cumprimentá-lo. Dr. John! O senhor está de volta! Que bom vê-lo! Ele falou em berbere e o jovem respondeu no mesmo dialecto. Bom vê-lo também, Yakub. Como vão as coisas? Bem. E o senhor, como está? Sujo, respondeu o jovem, sacudindo a poeira da t-shirt com a inscrição LOVE EGYPT. Preciso de uma duche urgente. Sem dúvida, sem dúvida. O senhor sabe onde fica o chuveiro. Água quente, não, receio, mas, fria, toda que quiser. Mohammed! Mohammed! Um garoto apareceu vindo da sala ao lado. O dr. John está de volta. Traga-lhe uma toalha e sabão para ele tomar um duche. O garoto saiu apressado, suas sandálias estalando alto contra os ladrilhos do soalho.
Quer comer?, perguntou Yakub. Claro.
Quero comer. Faz oito semanas que só ponho na boca feijão e sardinha em lata.
Todas as noite sonhava com os frangos ao curry do Yakub. O homem riu. E vai
querer também batatas fritas para acompanhar? Quero batatas fritas. E pão
fresco. E um refrigerante gelado. Quero tudo que puder servir-me. Yakub riu
mais ainda. O mesmo velho dr. John de sempre! O garoto reapareceu trazendo a
toalha e uma barra de sabão, entregando-as logo em seguida. Primeiro, preciso fazer
um telefonema, disse o jovem. Sem problema. Venha. Venha. O proprietário
conduziu-o a uma sala em grande desordem, com uma armação com cartões-postais,
todos com os cantos já dobrados, encostada na parede, e um telefone em cima de
um arquivo de fichas. Deixando o seu envelope sobre uma cadeira, o jovem pegou
o fone e fez a discagem. Ouviu alguns toques, até que uma voz ecoasse do outro
lado da linha. Alô, disse, agora falando em árabe, quero por favor falar com...
Yakub fez-lhe um aceno e deixou-o a sós. Dali a dois minutos, retornou com uma
garrafa de refrigerante, mas o seu hóspede continuava ao telefone, e assim
deixou a garrafa sobre o fichário e saiu para começar a cuidar da refeição.
Trinta minutos mais tarde,
banhado e barbeado, o cabelo escovado para trás da testa queimada pelo sol, o
jovem estava sentado no jardim do hotel à sombra de uma palmeira nodosa, devorando
ferozmente a sua comida. Então, o que está acontecendo pelo mundo, Yakub?, perguntou,
partindo um pedaço de pão e besuntando-o com o molho da beira do prato. Yakub
bebericava o seu refrigerante. Já soube do embaixador americano? Nada. É como
se eu tivesse estado em Marte nos dois últimos meses. Explodiram com ele». In
Paul Sussman, O Exército Perdido, 2005, Bertrand Editora, 2016, ISBN
978-972-253-057-6.
Cortesia de BertrandE/JDACT
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