Felizmente,
não precisava disso para descobrir o seu mais bem guardado segredo. Minha
iniciação cumpriu seu objectivo. Animado com o que estava por vir, ele seguiu a
passos largos até ao seu quarto de dormir. Espalhados por toda a casa,
alto-falantes transmitiam os sons fantasmagóricos de uma rara gravação de um castrado
cantando o Lux Aeterna do Réquiem de Verdi, um lembrete de uma vida anterior.
Mal'akh accionou o controle remoto para fazer soar o tonitruante Dies Irae.
Então, embalado por um fundo musical de furiosos tímpanos e quintas paralelas,
disparou escadaria de mármore acima, com o roupão a esvoaçar conforme galgava
os degraus com as pernas musculosas. Enquanto corria, sua barriga vazia
reclamou com um ronco. Já fazia dois dias que Mal'akh estava em jejum, bebendo
apenas água, preparando o corpo segundo os antigos costumes. A sua fome será
saciada ao raiar do dia, lembrou a si mesmo. Assim como a sua dor. Mal'akh
adentrou o santuário de seu quarto com uma atitude de reverência, trancando a
porta atrás de si. Enquanto seguia em direcção ao toucador, parou, sentindo-se
atraído pelo enorme espelho dourado. Incapaz de resistir, virou-se para encarar
o próprio reflexo. Vagarosamente, como quem desembrulha um precioso presente,
abriu o roupão para revelar o corpo nu. A visão o deixou maravilhado. Eu sou
uma obra-prima. Seu imenso corpo estava todo raspado e liso. Ele baixou os
olhos primeiro para os pés, tatuados com as garras de um avião. Mais acima, as
pernas musculosas desenhadas como botaréu esculpidas em relevo, a esquerda em
espiral, a direita com estrias verticais. Boaz e Jaquim. A virilha e o abdómen
eram um arco decorado, acima do qual o peito forte exibia o brasão da fénix de
duas cabeças..., ambas em perfil, com os olhos aparentes formados pelos seus
mamilos. Os ombros, o pescoço, o rosto e a cabeça raspada estavam completamente
tomados por uma intrincada tapeçaria de símbolos e marcas. Eu sou um artefacto...,
um ícone em construção.
Dezoito
horas antes, um mortal tinha visto Mal'akh nu. O homem soltara um grito de
medo. Meu Deus, você é um demônio! Se é assim que você me vê..., havia
respondido Mal'akh, ciente, como os antigos, de que anjos e demónios eram
idênticos, arquétipos intercambiáveis, e de que tudo era uma questão de
polaridade: o anjo guardião que derrotava o inimigo no campo de batalha era
considerado por ele um demónio destruidor.
Mal'akh então inclinou o rosto
para baixo, obtendo uma visão oblíqua do próprio cocuruto. Ali, dentro do halo
que parecia uma coroa, reluzia um pequeno círculo de pele clara, sem tatuagem.
Aquela tela cuidadosamente preservada era o único pedaço de pele virgem do
corpo de Mal'akh. O lugar sagrado vinha aguardando pacientemente..., e naquela
noite seria preenchido. Embora Mal'akh ainda não tivesse em mãos aquilo de que
precisava para completar sua obra-prima, sabia que a hora estava se aproximando
depressa. Empolgado com o próprio reflexo, já podia sentir seu poder aumentar.
Fechou o roupão e andou até à janela, olhando novamente para a cidade mística à
sua frente. Ele está enterrado lá em algum lugar. Tornando a se concentrar na
tarefa em questão, Mal'akh foi até à penteadeira e, com cuidado, cobriu o
rosto, o couro cabeludo e o pescoço com uma camada de correctivo até as
tatuagens sumirem. Então vestiu as roupas e outros acessórios especiais que
havia preparado meticulosamente para aquela noite. Ao terminar, examinou-se no
espelho. Satisfeito, alisou o couro cabeludo com a palma suave de uma das mãos
e sorriu. Ele está lá, pensou. E hoje à noite um homem vai me ajudar a
encontrá-lo. Enquanto saía de casa, Mal'akh se preparava para o acontecimento
que abalaria o prédio do Capitólio dos Estados Unidos naquela noite. Fizera um
esforço imenso para colocar todas as peças nos seus devidos lugares. E agora,
finalmente, seu último peão havia entrado no jogo». In
Dan
Brown, O Símbolo Perdido, 2009, Bertrand Editora, 2009, ISBN 978-972-252-014-0.
Cortesia de BertrandE/JDACT
JDACT, Dan Brown, Washington, D.C., Literatura, Maçonaria,