sexta-feira, 4 de dezembro de 2020

A Demanda do Santo Graal. Manuscrito do Século XIII. «… sou perjuro e desleal e então ninguém me deveria considerar como cavaleiro. Não sei, disse o rei, o que fareis; mas se fordes, pesar-me-á muito sobejo»

 

Cortesia de wikipedia e jdact

Tristão. A Graça do Santo Graal. A Demanda

«(…) Como o rei ordenou a Galvão que não fosse. Quando os do paço viram isto, disseram: esta é das grandes maravilhas que vimos, tempo há. E disse o rei a Galvão: rogo-vos que não vades a esta demanda, porque muito grande mal pode daí sair. Donzela, cuidais vós que este é o homem que buscais? Não cuido, disse ela, mas sei verdadeiramente que, se for, fará tão grande dano aos cavaleiros que aqui estão, que toda sua linhagem não nos poderá recuperar. E o rei bem acreditou que dizia a verdade, e disse a Galvão: sobrinho, eu vos peço que fiqueis aqui e não vades a esta demanda. E ele, que teve grande pesar sobejo desta aventura, entre tanto homem bom, respondeu: Senhor, não deveis acreditar no que vos disserem. Sabei que tudo é encantamento e chufa a maior que vistes, tempo há. Não vos lembra quando vistes a rainha Morgana e toda sua companhia tornada em pedra? E por isso não deveis crer nisto.

Então disse a donzela: isto não é encantamento, assim Deus me ajude, mas antes inteira verdade. E, por Deus! Se fordes, tão grande dano se fará, que não o podereis recuperar, nem rei Artur que aqui está. A isto respondeu o rei: donzela, vi tal sinal da sua ida que, assim Deus me ajude, sei verdadeiramente que sobrevirá disso mal. E por isto lhe ordeno, como senhor faz a cavaleiro, que não vá, mas de todo modo fique. Como, senhor, disse Galvão, mais acreditais nesta donzela do que em mim? Eu acredito, disse o rei, no que vejo. E por isso vos ordeno de todo em todo, que não vades a esta carreira. Senhor, disse ele, parece-me que não cuidais da minha honra, mas do meu mal e da minha vergonha, porque, se eu não for, sou perjuro e desleal e então ninguém me deveria considerar como cavaleiro. Não sei, disse o rei, o que fareis; mas se fordes, pesar-me-á muito sobejo.

Preparativos da demanda

Como a rainha houve pesar por Lancelote. Galvão, que disto houve grande mágoa, afastou-se do rei e foi para a sua pousada. E a rainha disse ao donzel que lhe dissera as novas da demanda: agora diz-me, estavas presente quando prometeram os cavaleiros buscar o santo Graal? Sim, senhora, disse ele. Galvão e Lancelote hão-de ir? Senhora, disse ele, dom Galvão o jurou primeiro, e depois dele, Lancelote, e depois, todos os outros da mesa redonda. Assim?, disse ela, em mal ponto foi começado este preito, porque muitos homens bons morrerão nele e haverá então grande prejuízo no reino de Logres. Então houve tão grande pesar de Lancelote, que as lágrimas lhe vieram aos olhos, e disse outra vez: certamente este é grande dano sobejo, porque, sem a morte de muitos homens bons, não será esta demanda acabada, e maravilho-me do rei, como o pode suportar, porque os melhores cavaleiros do mundo se afastarão dele e sua terra valerá por isso muito menos. Então começou a chorar muito intensamente, e as mulheres e as donzelas também. E a donzela feia, que estava ainda no paço, quando deram a dom Galvão a espada, e viu que se afastara já dali com sanha, disse ao rei: que será da ida de dom Galvão? Sabei que muito mal disso virá e acontecerá. E ele disse: sabei que não irá à demanda cavaleiro que me muito não pese; mas muito mais deste me pesará, porque bem sei que muito mal por ele acontecerá». In Manuscrito do Século XII, Heitor Magale, A Demanda do Santo Graal, TA Queiroz, Editora da Universidade de S. Paulo, 1988, CDD 398 46, 1989, ISBN 858-500-874-1.

Cortesia de EUSPaulo/JDACT

JDACT, Escrita, Lendas, Século XIII, Literatura, Heitor Megale,