«(…) A vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial, a criação da Organização do Tratado do Atlântico Norte, o lançamento dos alicerces da União Europeia não viabilizariam, contudo, o acesso dos países do Sul ao fenómeno de desenvolvimento dos seus vizinhos mais a norte e, até meados dos anos 70, a Europa viveu num clima de completa desunião. Entre democracias mais ou menos formais no Norte e Centro, ditaduras medíocres e subservientes de inspiração cristã na Península Ibérica, uma ditadura militar com reminiscências pan-arábicas na Grécia e uma imensidão de regimes comunistas totalitários e despóticos, proclamados pela via revolucionária em nome da classe operária, a Leste. O início da luta dos Movimentos de Libertação contra o colonialismo português na Guiné, em Moçambique e em Angola, empurrados pela miopia e desinteresse ocidental para os braços da União Soviética, dariam lugar ao chamado Movimento dos Capitães que a 25 de Abril derrubaria, para surpresa de todos, dentro e fora de Portugal, a ditadura iniciada com o Estado Novo, em 1933, por António Oliveira Salazar. Este levantamento pacífico e sem objectivos políticos claros, provocado quer por razões de natureza sindical, quer pela derrota psicológica dos militares portugueses nas guerras coloniais, viria a influenciar a evolução política mundial deste fim de século. Durante mais de uma década, até à entrada de Portugal como membro de pleno direito na Comunidade Europeia, em 1986, o nosso pequeno e subdesenvolvido país, até então quase esquecido do seu contexto europeu, mobilizaria de forma inédita todas as atenções mundiais com a sua Revolução dos Cravos» e teria reflexos profundos na Europa e no Mundo. A nossa revolução seria quase instantaneamente adoptada por praticamente todas as forças democráticas internacionais, tendo-se democratas cristãos, liberais, socialistas e até comunistas em todas as suas imagináveis versões, em determinados momentos e por diferentes motivos, considerado próximos do nosso 25 de Abril. Para o Partido Socialista, que protagonizaria de certo modo os aspectos positivos da Revolução e que imprimiria a sua marca ao sistema político constitucional vigente, esta seria também a sua década dourada…
Em Abril de 1974, a
social-democracia europeia entra na sua fase de apogeu. Partidos filiados na
Internacional Socialista, a que o PS português também pertence, estão então no
governo na Alemanha Federal, Áustria, Bélgica, Dinamarca, Finlândia,
Grã-Bretanha, Holanda, Israel, Luxemburgo, Noruega e Suécia. Na Escandinávia,
os movimentos sociais-democratas de inspiração sindical começam a desprender-se
do conservadorismo em que a sua dependência operária os lançara e a ansiar por
um maior protagonismo internacional. Na Grã-Bretanha, a onda de revolução
social da segunda metade dos anos 60 contra o chamado establishment reabre as
portas ao Partido Trabalhista liderado por Harold Wilson, que se mostra
impotente para travar a vaga que transformaria aquele partido, tradicionalmente
moderado, num dos mais radicais da Internacional Socialista. Na Alemanha, a democracia
controlada do pós-guerra deu lugar a um novo Partido Social-Democrata com forte
liderança de Willy Brandt e Helmut Schrnidt os quais, apesar das nuances entre si, tinham o
objectivo comum de transformar novamente a Alemanha num país unificado e no
motor da Europa. Na Áustria, com Bruno Kreisky, na Holanda, com Joop den Uyl,
na Bélgica e até na Itália, graças à ameaça do P.C. de Enrico Berlinguer,
emergem igualmente partidos sociais-democratas dispostos a dar nova cara ao
socialismo. Socialismo até então caracterizado essencialmente pelo seu eurocentrismo.
Nos Estados Unidos também sopram ventos de mudança e, quando o 25 de Abril
acontece em Portugal, já a administração republicana de Richard Nixon está
ferida de morte com o caso Watergate. Quando James Carter e Walter Mondale
lançam a sua plataforma eleitoral de cooperação internacional e de defesa dos
Direitos Humanos, em 1976, Willy Brandt prepara-se para ser eleito presidente
da Internacional Socialista, com base num programa de actividades não muito
diferente dos valores proclamados pelos democratas americanos e com a firme
intenção de pôr fim ao eurocentrismo, dando início a uma nova fase de
cooperação internacional entre socialistas democráticos, que alcançasse todos
os continentes». In Rui Mateus, Contos Proibidos, 1996, Publicações Dom Quixote, 1996,
ISBN 972-201-316-5.
Cortesia de PdomQuixote/JDACT
JDACT, Rui Mateus, Conhecimento, Política,