30 de Janeiro de 1835
«O
presidente Andrew Jackson estava com um revólver apontado contra o peito. Uma
visão estranha, mas não totalmente incomum para um homem que passara quase a
vida toda combatendo em guerras. Ele estava saindo da Rotunda do Capitólio,
caminhando na direcção do Pórtico Oriental, seu humor sombrio combinando com o
clima naquele dia. O secretário do Tesouro, Levi Woodbury, o ajudava a
caminhar, assim como a sua fiel bengala. O Inverno tinha sido severo naquele
ano, especialmente em se tratando de um corpo esquelético de 67 anos, seus músculos
estavam extraordinariamente tensos, seus pulmões sempre congestionados.
Ele se aventurara a vir da Casa
Branca somente para se despedir de um antigo amigo, Warren Davis, da Carolina
do Sul, duas vezes eleito para o Congresso, uma vez como aliado, um democrata
jacksoniano, e a outra como um nulificador. Seu inimigo, o ex-vice-presidente
John C. Calhoun, havia inventado o Partido Nulificador, e seus membros
acreditavam realmente que os estados podiam escolher as leis federais que
desejavam obedecer. A tarefa do diabo era como ele descrevia essa insensatez. Não
haveria país algum se os nulificadores tivessem conseguido o que queriam, o
que, ele imaginava, era a verdadeira intenção deles. Felizmente, a Constituição
citava um governo unificado, não uma liga frouxa em que todos pudessem fazer o
que bem entendessem. O povo é supremo, os estados não.
Ele não tinha planeado comparecer
ao funeral, mas mudou de ideia na véspera. Independentemente das suas desavenças
políticas, ele gostava de Warren Davis; assim, toleraria o sermão deprimente do
capelão, a vida é incerta, particularmente para os idosos, e então passaria
pelo caixão aberto, murmuraria uma oração e voltaria para a Rotunda. A multidão
de curiosos era impressionante. Centenas tinham vindo para vê-lo rapidamente.
Ele sentira falta daquela atenção. Quando se encontrava no meio da multidão,
era como se estivesse cercado pelos seus filhos, feliz com todo aquele afecto,
amando-os devidamente como um pai. E havia muito do que se orgulhar. Ele
acabara de realizar o impossível, saldar a dívida interna do país, plenamente
quitada durante o 58º ano da república, no sexto ano de sua presidência, e
muitos naquela multidão bradavam a sua admiração por isso. No andar superior,
um dos seus secretários de gabinete lhe contou que os espectadores tinham desafiado
o frio principalmente para ver a Velha Nogueira.
Ele sorriu ao ouvir a referência
à sua rigidez, mas suspeitava do elogio. Era do seu conhecimento que muitos
temiam que ele rompesse com a prática precedente e se candidatasse a um
terceiro mandato, entre esses, membros do seu próprio partido, alguns dos quais
cultivavam ambições presidenciais particulares. Os inimigos pareciam estar por
todos os cantos, especialmente ali, no Capitólio, onde os representantes do sul
do país ficavam cada vez mais ousados, e os do norte, cada vez mais arrogantes.
Manter algum tipo de ordem havia se tornado difícil, mesmo para o seu pulso
forte. E pior ainda, recentemente, ele se surpreendera perdendo o interesse pela
política. Todas as grandes batalhas pareciam ter ficado para trás. Apenas dois
anos o separavam do fim de seu governo, e então sua carreira estaria terminada.
Por essa razão, ele permanecia reservado em relação à possibilidade de um
terceiro mandato. Pelo menos, a perspectiva de que se candidatasse novamente
mantinha seus inimigos afastados. Na verdade, ele não nutria intenção alguma de
exercer um novo mandato. Aposentara-se em Nashville. De volta ao seu lar no
Tennessee e a sua adorada Hermitage. Mas primeiro havia essa questão do revólver.
O desconhecido bem-vestido, apontando aquela pistola de uma só bala contra ele,
havia surgido dentre os espectadores, seu rosto dissimulado por uma barba negra
e espessa. Quando era general, Jackson derrotara britânicos, espanhóis e tropas
indígenas. Como duelista, ele certa vez matara em nome da honra. Nenhum homem o
amedrontava. E, certamente, tampouco aquele louco, cujos lábios pálidos
tremiam, assim como a mão que apontava a arma. O jovem apertou o gatilho. O cão
da arma estalou. A cápsula foi detonada.
Um estrondo soou, ecoando nas
paredes de pedra da Rotunda. Mas nenhuma fagulha causou a ignição da pólvora no
tambor. A arma negou fogo. O agressor pareceu perplexo. Jackson sabia o que
havia acontecido. O ar frio e húmido. Ele já lutara muitas batalhas sob a chuva
e sabia da importância de se manter a pólvora a seco. A ira invadiu-o. Agarrando
a sua bengala com as mãos, como uma lança, ele investiu contra o seu agressor. O
jovem largou o revólver. Uma segunda pistola apareceu, com seu o cano agora a
apenas poucos centímetros do peito de Jackson. O homem puxou o gatilho. A cápsula
de percussão reagiu, mas não houve fagulha. Segunda falha». In Steve
Berry, O Enigma de Jefferson, 2011, Editora Record, 2012, ISBN
978-850-140-205-9.
Cortesia de ERecord/JDACT
JDACT, Steve Berry, Literatura, USA, Século XIX,