«Naquela tarde, o povo rumava para o pátio externo do palácio, conhecedor da chegada, pela manhã, da caravana de Pecos. Viam-se criaturas de todos os tipos: lavradores vestidos com suas túnicas de pano vermelho ou de listado preto e amarelo, mulheres carregando os filhos pequeninos às costas, jovens alegres, sacudindo os brincos reluzentes, deslizando como felinos pelas ruas poeirentas, com suas túnicas colantes, deixando a nu seus ombros morenos e parte do colo exuberante, calçando finas sandálias de couro de cabra e trazendo os véus cobertos de pedrarias que tilintavam e luziam aos reflexos solares. No palácio, a actividade ia em meio. Escravos cruzavam os vastos salões enfeitados de brocado e púrpura, numa azáfama constante, dispondo objectos e flores em cochichos e risinhos abafados.
Dali a poucos instantes começaria
o festim. Décios, escravo que gozava de singulares regalias perante Pecos, e
consequentemente perante o Faraó e seus sacerdotes, dirigia os outros escravos,
nem sempre deixando-se levar pela benevolência e compreensão. Ostentava naquele
dia uma túnica cor de vinho, com uma insígnia de pedras no peito, presa ao
pescoço por um cordão azul. Fora um régio presente do Faraó por um serviço
prestado, que ele orgulhosamente ostentava nas ocasiões festivas. Décios,
pressurosamente, dirigiu-se à sala do banquete, examinando mais uma vez se tudo
estava como determinara. Sorriu embevecido: na sala havia magníficas flores,
frutos, nozes, tâmaras, uvas, pães, carne e muitos outros apetitosos manjares
daqueles dias: tudo disposto sobre maravilhosos coxins de púrpura e ouro ao
redor das paredes cobertas por finos tecidos da Pérsia e da Macedónia. No
centro, a pista onde as dançarinas deveriam efectuar seus bailados, tendo em
cada canto, piras, donde saíam constantes línguas de fogo que os escravos
reavivavam amiúde, ajuntando-lhes finos extractos de ervas aromáticas que
balsamizavam a sala agradavelmente. Os archotes já estavam preparados para
serem utilizados assim que o sol se escondesse no crepúsculo róseo do céu de
Tebas. O barulho lá fora já principiara, demonstrando que o povo aguardava o
início da festa com impaciência. As liteiras e os cavaleiros já começavam a
chegar ao palácio e os salões receptivos regurgitavam. Súbito, dois pajens,
vestindo a túnica da antecâmara do soberano, saíram pelas cortinas que
circundavam o coxim do Faraó. Traziam dois clarins e postando-se erectos,
desceram as cortinas, tocando em seguida, como era da praxe, o sinal para
anunciar o soberano. Imediatamente o silêncio se estabeleceu. Um homem magro,
calvo, moreno, envergando túnica de alvo linho, coberta de pedrarias
rutilantes, carregando ao peito a Grã-pedra, penetrou majestosamente no salão.
Era o Faraó. Todos se curvaram em reverência. Meus amigos, disse ele, saúdo-vos
e como anfitrião, espero que todos façam jus à minha hospitalidade. Desejo
saudar em particular o emissário que valorosamente cumpriu mais uma vez a sua
missão em terras distantes. Do outro lado da sala, entrando garborosamente,
fazendo reluzir seus atavios, surgiu um homem, seguido por mais seis outros,
com suas lanças e escudos, em fila dupla.
Pecos, que caminhava à frente,
adiantou-se e postado aos pés do Faraó o adorou, saudando-o gentilmente. Levanta-te,
Pecos. Estou satisfeito com o cumprimento da tua missão e quero agraciar-te com
a Grã-pedra opalina, para premiar o teu desvelo e tua perícia. Acercou-se então
dele, já em pé, e colocou-lhe ao pescoço a grande e maravilhosa pedra rutilante,
presa por um cordão luzidio. Pecos agradeceu reverente e ia retirar-se quando o
Faraó continuou: hoje és o homenageado, portanto, participarás da minha ceia,
ao meu lado. Antes quero aparecer à janela contigo e com Potiar, pois o povo
quer aplaudir-te.
Pecos, altaneiro, na exuberante
beleza de seus 30 anos, simpático e forte, surgiu à plataforma que dava para o
pátio externo. O povo aclamou freneticamente, satisfeito pelo início da cerimónia,
ansioso por começar a divertir-se. O Faraó, que aguardava um pouco atrás,
adiantou-se por sua vez e disse: meu povo! Eis o nosso herói, que mais uma vez
retorna de uma missão rendosa para o nosso país. Trouxe-nos muitas conquistas
e, portanto, ordeno que seja iniciada a distribuição de vinho, trigo e frutos a
todos os presentes e que seja também iniciada a música para o vosso
divertimento!» In Zibia Gasparetto, O Amor Venceu, 1958, Edição Vida e Consciência,
2005, ISBN 978-858-587-201-4.
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