«Dá-se a conhecer uma dezena de monumentos epigráficos em língua latina, identificados no decurso de diversos trabalhos arqueológicos levados a cabo no interior do Castelo de S. Jorge, em especial na zona da chamada Praça Nova. O núcleo evidencia grande diversidade, tanto no estado de conservação dos textos como no que respeita ao seu contributo para a história do municipium Olisiponense. A heterogeneidade manifesta-se igualmente no que concerne à cronologia das inscrições, abarcando uma ampla diacronia que vai desde o período alto-imperial até à Alta Idade Média. A esta última fase pertencem alguns exemplares que se integram no que se designa como epigrafia paleocristã, os quais constituem um interessante contributo para a análise das transformações ocorridas neste período pouco conhecido da história da cidade». In Resumo
«O conjunto epigráfico de Olisipo e do seu território constitui um dos mais numerosos da Península Ibérica e a análise da sua distribuição tem posto em evidência a elevada concentração de inscrições nesta área (Mócsy, 1985). Este facto excepcional decorre, em primeiro lugar, da circunstância d’a cidade se ter afirmado como uma importante área agrícola e, ao mesmo tempo, como a principal plataforma comercial da Lusitânia. Estas circunstâncias reflectem-se, inevitavelmente, no poder económico dos seus habitantes, bem como no desenvolvimento urbano e na demografia da cidade. Mas a importância deste repertório resulta igualmente do facto de a comunidade cívica ter adquirido, desde cedo, o estatuto privilegiado de municipium civium Romanorum, aspecto que está na base de uma intensa vida pública (Mantas, 1994), espelhada em diversas manifestações epigráficas. Contudo, o especial relevo que este amplo repositório de inscrições assume deve-se, em boa parte, à excepcional riqueza do território do municipium e dos seus importantes núcleos de inscrições, entre os quais sobressai o da região de Sintra, o qual, só por si, apresenta mais inscrições que a própria urbs. Mas, para além deste, há que ter em conta os achados do restante espaço rural, com especial relevo para a área que actualmente corresponde aos concelhos de Torres Vedras e Cascais. Merece ainda uma referência especial a região de Mafra, onde se tem vindo recentemente a registar também um número considerável de novas epígrafes, que aproxima esta área, tradicionalmente mais pobre neste aspecto, das zonas contíguas. Não devemos, por fim esquecer, que o território de Olisipo beneficia de um outro factor que deve ter contribuído de forma substancial para esta excepcional dimensão do repertório epigráfico, a saber, a existência de matéria-prima abundante e de muito boa qualidade, a qual serviu de suporte a uma grande parte dos monumentos erigidos na região. Foi em especial utilizado um calcário local, conhecido habitualmente como lioz, por vezes designado como pedra lioz ou mesmo mármore lioz, o qual parece ter sido explorado em diversos lugares da Península de Lisboa, em particular na área de Pero Pinheiro, onde ainda hoje se mantém essa actividade extractiva de considerável significado económico tanto na antiguidade como agora. Na sua globalidade, o repertório de todo o território olisiponense rivaliza com o mais amplo da província, aquele que corresponde à colónia Emeritensis, a sua capital. Por outro lado, contrasta com o de Scallabis, particularmente pobre em número e em qualidade, apesar de a cidade corresponder à sede da circunscrição jurídica romana da qual depende Olisipo. O exemplo escalabitano demonstra, com clareza, nem sempre existir uma relação directa entre a importância administrativa de lugar e a quantidade e qualidade dos vestígios epigráficos que subsistiram. Trata-se, no entanto, de um caso que configura mais uma situação de excepção que uma regra, para o qual falta ainda encontrar uma explicação satisfatória. O panorama oferecido pela realidade olisiponense, no qual a riqueza das manifestações epi[1]gráfica se sobrepõe à importância política e económica do aglomerado, é de facto, a norma. Nesta cidade se constata igualmente que o já vasto conjunto epigráfico se tem vindo a enriquecer nos últimos tempos a um ritmo considerável, com achados que vão sublinhando a vivacidade do centro urbano ao longo do tempo e a prosperidade dos seus habitantes». In Amílcar Guerra, Os Mais Recentes Achados Epigráficos do Castelo de S. Jorge, Lisboa, Revista Portuguesa de Arqueologia, Volume 9, Número 2, 2006.
Cortesia de RPArqueologia/JDACT
JDACT, Cultura e Conhecimento, Amílcar Guerra, Lisboa, Casa de Estudo,