«(…) As circunstâncias particulares que envolveram a fase inicial da investigação levaram a que um outro monumento só fosse noticiado mais tarde. Trata-se de uma epígrafe depositada no Instituto Clássico da Universidade de Lisboa, divulgada apenas cerca de um quarto de século após o seu aparecimento. Por fim, como resultado do tratamento laboratorial de uma cinerária de chumbo depositada na mesma entidade museológica foi identificado um grafito, gravado na tampa desse recipiente. As escavações mais recentes revelaram um panorama idêntico e trouxeram à luz novos achados epigráficos cuja publicação se aguarda para breve. Todo este conjunto constitui sem dúvida o mais representativo núcleo de epígrafes de Olisipo encontradas numa mesma área, apresentando para além disso duas assinaláveis vantagens. Por um lado os textos epigráficos encontram-se quase sempre completos, aspecto que contrasta fortemente com a maioria das inscrições romanas de aparecimento mais recente, quase sempre reduzidas a pequenos fragmentos. Para além disso, foi possível determinar, por vezes com bastante precisão, o seu contexto arqueológico, o que significa que, em certos casos, contamos com dados concretos sobre a natureza dos monumentos em que as lápides se inseriam. Esta conjugação de elementos confere uma particular relevância a todo o conjunto, aspecto que sublinha igualmente a necessidade de se tornarem públicos todos os elementos relativos aos trabalhos, alguns dos quais, como se viu, aguardam publicação há mais de meio século. No que concerne estritamente ao domínio da epigrafia, parece que o caso específico da Praça da Figueira poderá proporcionar elementos substanciais para compreender todo o conjunto funerário, de modo a estabelecer o enquadramento das inscrições. Será possível, em suma, traçar as componentes essenciais do ambiente e da paisagem em que se inserem os monumentos, aspecto a que Giancarlo Susini conferiu uma especial dignidade e que constitui uma forma mais completa e mais complexa de estudar as manifestações que nos ocupam. Esta preocupação, que recentemente Luís Fernandes renovou a propósito da documentação epigráfica do teatro romano de Lisboa, tem neste caso uma idêntica justificação. Também na encosta da Sé, em geral, e no teatro romano e zona envolvente, em particular, se realizaram importantes pesquisas arqueológicas que levaram à identificação pontual de alguns achados epigráficos. De uma maneira geral, estas novas descobertas foram sendo esporadicamente assinaladas ao longo de um período muito dilatado, razão pela qual assume um especial interesse o estudo de todo o conjunto. A publicação ocasional e o estudo isolado, características que têm marcado a maioria destes achados, tornam mais clara esta carência, desde há muito sentida. Os restos materiais do teatro romano foram objecto de uma primeira intervenção em fase recente, iniciada com uma sondagem no edifício da R. de S. Mamede ao Caldas, n.os 2 e 4B, dirigida por Fernando Almeida, e continuada nos anos seguintes com uma campanha da responsabilidade de Irisalva Moita. Embora de dimensão muito mais reduzida que a da Praça da Figueira, a documentação epigráfica aí recolhida tem um especial significado, em particular a que respeita a este mesmo edifício público cuja importância na vida da cidade se manifesta precisamente em alguns documentos relevantes para compreender a vida pública ou, simplesmente, concernentes ao próprio edifício em si. Neste último caso se encontra a inscrição em caracteres gregos em que se regista o nome Μελπο[με´νη] por baixo de um relevo já fragmentado, descoberto na sequência destas intervenções. Mas estes trabalhos vieram igualmente contribuir igualmente para a redescoberta de alguns elementos da inscrição gravada no púlpito do edifício, já bem conhecida da investigação, em especial graças à documentação produzida por Francisco Xavier Fabri e à publicação de Luís António Azevedo (1815). O reaparecimento parcial deste importante documento (Moita, 1970) relançou a discussão em torno do seu texto, a respeito da qual se suscitou alguma literatura, sem que tal se tenha traduzido em modificações substanciais na interpretação tradicional, consagrada pela obra de Hübner. Mais recentemente, porém, Stylow (2001) propôs uma alteração que afecta o sentido geral do texto, preferindo atribuir uma natureza temporal à titulatura do imperador, que se iniciaria, segundo esta interpretação, com a forma Nerone. Esta sugestão parece aceitável no contexto da epigrafia monumental, mas debate-se com o óbice de não ser suportada por uma transcrição antiga e de pressupor que os editores deste documento epigráfico se equivocaram, malgrado este monumento apresentar, tendo em conta algumas partes subsistentes, uma extraordinária clareza. Talvez por esse facto Luís Fernandes (2005) tenha retomado a proposta tradicional, optando, no entanto, por não reconstituir o texto muito lacunar do segundo vão, precisamente o que coloca mais problemas. No âmbito destes trabalhos se identificaram igualmente algumas inscrições não relacionáveis com este edifício público, mas que correspondem a lápides funerárias, de proveniência muito distinta, mas reaproveitadas ao longo do tempo nas construções dessa área. Embora o seu estado frágil confere uma particular relevância a todo o conjunto, aspecto que sublinha igualmente a necessidade de se tornarem públicos todos os elementos relativos aos trabalhos, alguns dos quais, como se viu, aguardam publicação há mais de meio século. No que concerne estritamente ao domínio da epigrafia, parece que o caso específico da Praça da Figueira poderá proporcionar elementos substanciais para compreender todo o conjunto funerário, de modo a estabelecer o enquadramento das inscrições. Será possível, em suma, traçar as componentes essenciais do ambiente e da paisagem em que se inserem os monumentos, aspecto a que Giancarlo Susini (1982) conferiu uma especial dignidade e que constitui uma forma mais completa e mais complexa de estudar as manifestações que nos ocupam». In Amílcar Guerra, Os Mais Recentes Achados Epigráficos do Castelo de S. Jorge, Lisboa, Revista Portuguesa de Arqueologia, Volume 9, Número 2, 2006.
Cortesia de RPArqueologia/JDACT
JDACT, Cultura e Conhecimento, Amílcar Guerra, Lisboa, Casa de Estudo,