sábado, 24 de abril de 2010

Rómulo de Carvalho: Na poesia misturou a «beleza das palavras» com a ciência das coisas simples

Cortesia de nautilus.fis
(1906-1997)
Rómulo Vasco da Gama de Carvalho, foi um químico, professor de Físico-Química do ensino secundário, pedagogo, investigador de História da ciência em Portugal, divulgador da ciência, fotógrafo e poeta sob o pseudónimo de António Gedeão. Pedra Filosofal e Lágrima de Preta são dois dos seus mais célebres poemas. Foi Académico efectivo da Academia das Ciências de Lisboa e Director do Museu Maynense da Academia das Ciências de Lisboa.
Na poesia misturou a beleza e a simplicidade das palavras com a ciência das coisas simples, que sempre prezou.
«Nas suas aulas procurou sempre integrar o ensino experimental, de forma a complementar os conhecimentos teóricos e facilitando a compreensão dos seus alunos: “Em relação ao ensino experimental, as experiências acompanham aquilo que queremos ensinar quando estamos na aula, mas o método de ensino não é exclusivamente experimental. As experiências servem para esclarecer o aluno sobre aquilo que está a ouvir. Eu levava sempre para a aula material que punha em cima da mesa e os alunos olhavam com toda a curiosidade: ‘Para que é isto? Para que é aquilo?’ À medida que ia falando, ia preparando as coisas e mostrando o que se passava, para ilustrar aquilo que estava a dizer». In PÚBLICO, Entrevista, 24-11-1996.

Rómulo de Carvalho desenvolveu uma actividade de divulgação científica que marcou gerações em Portugal. Os seus livros de divulgação em Ciência e Tecnologia e os seus artigos em jornais revelavam a sua preocupação com o despertar do interesse dos portugueses pelo conhecimento científico. Na Gazeta de Física publicou,até 1974, 22 artigos de divulgação científica, actualização didáctica e orientação pedagógica.
Cortesia de CCV - Rómulo de Carvalho
CCV-RC (Centro Ciência Viva – Rómulo de Carvalho) é um Centro a funcionar na Universidade de Coimbra (UC) com característica de centro de recursos para o ensino e aprendizagem das ciências e a difusão da cultura científica. Os objectivos serão contribuir para a cultura científica e tecnológica nacional, atraindo e mantendo mais jovens para a ciência.
Entre o seu primeiro e último nome ficam outros dois igualmente sugestivos «Vasco da Gama». Também foi homem de «descobertas» e as suas palavras  marcaram um século. O dia do seu aniversário de nascimento, 24 de Novembro, ficou instituído em Portugal, como o Dia Nacional da Cultura Científica.
«Diz a minha mãe que eu comecei a fazer versos aos 5 anos e aos 10 tive a comoção de ver os primeiros impressos e públicos. Escrever poemas foi sempre para mim um estado de angústia, um sofrimento autêntico. Amorteci todo esse sofrimento durante anos até ao dia em que por motivos dolorosos me desfiz dele por completo na ingénua presunção de que me atrapalhava. Sobre isso passaram vinte anos. Após eles... tive trágica conversa comigo mesmo, a sós, e resolvi nascer de novo». In Carta a Jorge de Sena, de 29-12-1963.
Lágrima de preta
Encontrei uma preta
que estava a chorar,
pedi-lhe uma lágrima
para a analisar.

Recolhi a lágrima
com todo o cuidado
num tubo de ensaio
bem esterilizado.

Olhei-a de um lado,
do outro e de frente:
tinha um ar de gota
muito transparente.

Mandei vir os ácidos,
as bases e os sais,
as drogas usadas
em casos que tais.

Ensaiei a frio,
experimentei ao lume,
de todas as vezes
deu-me o que é costume:

Nem sinais de negro,
nem vestígios de ódio.
Água (quase tudo)
e cloreto de sódio.
António Gedeão, in Máquina de fogo

Cortesia de vitorinices
Pedra Filosofal
Eles não sabem que o sonho
é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualquer,
como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso,
como este ribeiro manso
em serenos sobressaltos,
como estes pinheiros altos
que em verde e oiro se agitam,
como estas aves que gritam
em bebedeiras de azul.

eles não sabem que o sonho
é vinho, é espuma, é fermento,
bichinho álacre e sedento,
de focinho pontiagudo,
que fossa através de tudo
num perpétuo movimento.

Eles não sabem que o sonho
é tela, é cor, é pincel,
base, fuste, capitel,
arco em ogiva, vitral,
pináculo de catedral,
contraponto, sinfonia,
máscara grega, magia,
que é retorta de alquimista,
mapa do mundo distante,
rosa-dos-ventos, Infante,
caravela quinhentista,
que é cabo da Boa Esperança,
ouro, canela, marfim,
florete de espadachim,
bastidor, passo de dança,
Colombina e Arlequim,
passarola voadora,
pára-raios, locomotiva,
barco de proa festiva,
alto-forno, geradora,
cisão do átomo, radar,
ultra-som, televisão,
desembarque em foguetão
na superfície lunar.

Eles não sabem, nem sonham,
que o sonho comanda a vida,
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
António Gedeão, in Movimento Perpétuo

Cortesia de romulodecarvalho

http://www.romulodecarvalho.net/
CCV-RC/JDACT
(Centro Ciência Viva)

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