O futuro das sociedades democráticas.
Uma teoria da justiça intergeracional
«Se nós, os seres humanos, quisermos realizar operações que vão além do momento presente, teremos de travar relações com o nosso futuro. O mesmo vale para as sociedades, que devem manter um nexo inteligente com o seu futuro se quiserem que disposições colectivas como a previsão e a antecipação ou emoções públicas como a esperança e o temor, os desejos e as expectativas, sejam articulados de uma maneira racional. As actuais dificuldades da sociedade para se pensar a si própria em termos de finalidade e promessa colectiva mostrem precisamente que o futuro não tem merecido a devida atenção, principalmente o futuro menos imediato e menos próximo, ou seja, o futuro em sentido próprio. Mas se a política tem alguma justificação que a distingue da mera gestão é por tentar governar esse futuro menos visível, mas não menos real, no qual se joga o que é mais importante. A questão decisiva consiste em saber se as nossas democracias são capazes de antever possibilidades futuras num contexto de grande incerteza, se estão em condições de realizar projectos e dar tensão ao tempo social, de articular intergeracionalmente a sociedade actuando nesses «sombras do futuro» com critérios de legitimidade e responsabilidade.
Esta dificuldade de se relacionar com o seu futuro é uma das causas que explicam o triunfo da insignifìcância nas actuais democracias mediáticas, a nossa insistente distracção no curto prazo. E talvez uma reintegração do futuro na nossa actividade política seja um elemento de transformação e renovação da vida democrática.
A Tirania do Presente
Uma das consequências da tão frequentemente proclamada crise da ideia de progresso consiste em o futuro se tornar problemático e o presente se absolutizar. Encontremo-nos num regime de historicidade em que o presente é dono e senhor absoluto. É a tirania do presente, isto é, da actual legislatura, do curto prazo, do consumo, da nossa geração, da proximidade … É a economia que privilegia a lógica financeira, o lucro em vez do investimento, a redução dos custos em vez da coesão da empresa. Pratica-se um imperialismo que já não é espacial mas temporal:
- o do tempo presente que tudo coloniza.
Há uma colonização do futuro que consiste em viver à custa dele, um imperialismo do presente que absorve e parasita o tempo futuro. Bertman (1998) chamou «o poder do agora» a esse presente não comprometido com qualquer outra dimensão do tempo e que substitui o longo pelo curto prazo, a duração pela imediatez, a permenência pela transitoriedade, a memória pela sensação, a visão pelo impulso.
A intensificação do momento presente e a perda de relevância do futuro são dois fenómenos correlativos. Exigimos ao presente aquilo que não podemos esperar do porvir. A «sociedade de satisfação imediata» (Schulze 1992) impõe uma temporalidade de curta perspectiva. Este «presentismo» torna-se visível em todas as esferas da cultura e também na política, transformada numa corrida atrás da imediatez das sondagens, numa espécie de lógica «just in time» copiada do consumo, da publicidade e da comunicação social.
Há uma suspeita razoável de a política democrática estar sistemática e problematicamente virada para o presente. Quais os motivos desta focalização autista no presente? Poderíamos sintetizar considerando motivos de tipo estrutural, resultantes da aceleração do tempo social, da periodização das eleições, do regime da demoscopia e do comportamento dos eleitores, das tendências demográficas e da pressão organizada dos interesses». In Daniel Innerarity, O Futuro e os seus Inimigos, Teorema, 2011, ISBN 978-972-695-960-1.
Cortesia de Teorema/JDACT