Cortesia de asa
«O Infante de Sagres aproxima-se, no dizer do próprio autor, do modelo heróico e dramático criado por Oliveira Martins. Do complexo perfil do Infante traçado pelo autor «dos filhos de D. João I» é possível entrever algumas semelhanças com o Infante dramático de Cortesão.
Homem de acção e de missão, e não apenas um herói épico, que marca indelevelmente o percurso histórico da nação, e desta forma que Oliveira Martins o caracteriza. Eleva-lhe a vontade que o impelia para a acção energética. O seu Infante «era um homem-tipo, encarnara a arma nacional no momento histórico em que vivia».
No retrato romântico do Infante desenhado por Cortesão retomam-se muitas das teses oitocentistas e projecta-se a imagem de um herói possuidor de uma vontade exacerbada, quase transcendente, numa espécie de miscigenação entre o herói e a nação. Revela-se ainda o herói santo, pelas virtudes de homem religioso, imbuído de fé e de crença no futuro, num misto de messianismo e profetismo:
«Obedeci ao céu! Vim por mando divino.
Dar ao Homem e à Terra outro e maior Destino.
Por mando seu rasguei de sobre o Mundo a Treva (...)».
A prioridade dos descobrimentos portugueses e a ideia pré-determinada de chegar ao oriente projecta-se na figura do Infante.
Cortesia de eb1ancarcts
Um herói com qualidades superiores, quase providencial, que não perde os atributos humanos, o Infante ama, sofre, angustia-se e revolta-se quando se vê obrigado a aceitar o sacrifício da vida do irmão para dar continuidade à sua missão patriótica e universalista.
Na descrição do ambiente cénico é ainda possível encontrar a imagem do Infante cientista, aliada à lendária existência de uma escola de cosmografia e náutica em Sagres: «A sala de estudo na casa do Infante em Sagres. (...) sobre a mesa livros, portulanos, a esfera armilar, poisando unicamente sobre um alto pé, duas pomas, a balestilha e o quadrante. Duma das paredes pende à astrolábio plano. (...) Mestres Jaime e Rodrigo, sentados junto da mesa, debruçados e atentos, lêem passagens de livros e vão confrontando num mapa».
Eis em largos traços a imagem do Infante de Sagres, «herói, génio e místico da acção», descobridor de novos mundos e, acima de tudo, «dum Homem Novo». Este herói de Cortesão correspondia à teorização de uma história pragmática, consubstanciada na apresentação de modelos de heroísmo moral e servindo-se do teatro como veículo privilegiado de apelar à consciência histórica do público que assistia à representação dos dramas, recorrendo à criatividade artística e à efabulação. Era a forma de fazer chegar factos e personagens da história nacional a um universo mais alargado de receptores, considerando o reduzido número daqueles que tinham acesso à leitura dos seus dramas ou obras de erudição histórica.
Cortesia de portocroftcultarte
É com o mesmo fim reflexivo, educativo e patriótico que Cortesão, ao escrever o seu segundo drama, recorre ao lendário como veículo de divulgação histórica. Ideal pedagógico?
Sem dúvida. A efabulação da narrativa histórica, a idealização legendária, aliada à intenção de divulgação, pela representação dramática, viabilizavam o objectivo de despertar no público a vontade heróica, pela empatia e diálogo íntimo com a memória do glorioso passado nacional.
No prefácio ao drama «Egas Moniz», o autor justifica o recurso a algumas lendas mais características da época em que decorre a acção pela intenção de enriquecer o enredo dramático e «dar à obra mais sabor nacional». Não lhe interessa escrever uma obra erudita, embora reconheça, no período em que escreve, fundamentos e origens da nossa independência mais vastos que os atribuídos por Herculano, prefere utilizar as lendas enquanto «história idealizada pelo sonho colectivo», na «atmosfera ideal que o génio popular lhes criou». In Elisa Neves Travessa, Jaime Cortesão, ASA Editores, 1ª edição, Setembro de 2004, ISBN 972-41-4002-4, obra adquirida e autografada em Fevereiro de 2006.
A amizade de ENT.
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