Cortesia de foriente
Introdução
«Assim, todos os trabalhos reportam-se exclusivamente à região sujeita ao império britânico, significativamente chamada de «Burma Proper», a que aqui chamo de Birmânia Imperial. Essas histórias deixam de lado o «Arracão», antigo reino e actual distrito situado na longa faixa costeira que se estende desde Bengala ao cabo Negrais. Constituem excepção os estudos de Collis e de P. Gutman. Todavia, num e noutro, fazendo-se um pouco o mesmo que no caso da «Burma Proper», fala-se do «Arracão» como Estado não inserido no contexto da História da Birmânia. Além disso, Gutman reporta-se principalmente aos séculos. V a XI; e Collis, embora se reporte à época tratada, romanceia a história baseando-se no «Itinerário» do agostinho português Sebastião Manrique, fonte de que disponho.
Neste trabalho, proponho-me demonstrar basicamente: que o «Arracão» era, nos séculos XVI e XVII, como ainda hoje é, uma região que faz parte integrante da História da Birmânia; e que o «Arracão», como zona litoral, foi, como o «Pegu», um dos principais locais onde os Portugueses se fixaram ou com que contactaram. Nessa base, procurarei estabelecer que, ao longo do período em análise, factores internos, geográficos, étnicos e culturais, contribuíram para cimentar formações políticas que determinaram, quer uma tendência para a unificação da Birmânia Imperial, quer uma separação entre o litoral arracanês e o litoral sul do país; enquanto que factores externos, caso da actuação dos Portugueses, como mercadores, soldados e aventureiros, tenderam ora a unir, ora a separar essas duas zonas litorais. Estou em crer que tal dinâmica marcou fortemente a Birmânia dessa época.
Cortesia de foriente
A minha abordagem parte, portanto, de uma perspectiva sincrónica, sob a qual analisarei em pormenor vários aspectos que directamente ou indirectamente se ligam a essa ideia base. Para o efeito, estruturei o trabalho em três partes que correspondem a períodos diferenciados da história política da Birmânia e da história da presença portuguesa nesse país. Antecedo cada uma delas de introdução, de extensão dependente dos assuntos a tratar e da explicação que carece o tipo de fontes utilizadas.
A Parte I não se baseia em fontes primárias, excepção para o «documento I», que transcrevi, anotei, e fiz constar da presente dissertação, por se reportar a período anterior a 1580. Por essa razão, denominei-a de «Notas Históricas» e dividi-a em 4 pequenos capítulos de carácter introdutório. No primeiro capítulo apresentarei os aspectos geográficos, étnicos e culturais que, na minha perspectiva, definem as zonas geopolíticas a tratar, para melhor compreensão, desenhei um mapa, onde, pela sobreposição dos acidentes geográficos à Birmânia da época, pretendo mostrar a diferenciação entre o «Arracão» e a Birmânia Imperial. A intenção é mostrar que: desde inícios do século XVI e até 1580, os Portugueses, como comerciantes, se instalaram nas duas regiões costeiras do país, constituindo através do comércio um elo de ligação entre elas; e que, como mercenários, contribuíram (entre c. 1530 e 1580), para a unificação da Birmânia Imperial, e para a resistência armada no «Arracão», constituindo assim, factor de separação desse reino. Através de tal aproximação procurarei proporcionar uma posterior visão comparativa entre o período anterior a 1580 e o período tratado nas outras duas partes do trabalho (ou seja, de 1580 a 1630).
Cortesia de hortadozorate
A Parte II, dividida em dois capítulos, baseia-se essencialmente em fontes primárias, comentadas na introdução que a antecede. Nela analisarei a fragmentação do I Império Tangu, formação política da Birmânia Imperial, cuja capital era a cidade de Pegu; o papel desempenhado pelo «Arracão» na desagregação do império; e o papel dos Portugueses nessa desagregação. Tentarei mostrar que a anarquia então instalada favoreceu o avanço oficial e extra-oficial dos Portugueses na Birmânia Imperial: os particulares, ao se estabelecerem no litoral sul, e o Estado da Índia, ao manter relações amistosas com o último rei da dinastia «Tangu do Pegu», atrasaram a queda do imperador e da capital.
A Parte III, dividida em três capítulos, baseia-se igualmente em fontes primárias, também comentadas na introdução que a antecede. Nela abordarei as disputas pelo poder na Birmânia Imperial, depois da queda da I dinastia Tangu. No primeiro capítulo, proponho-me demonstrar que o «Arracão» alcançou poder suficiente para se candidatar ao trono da Birmânia Imperial; que os dissidentes Portugueses instalados no «Sirião» interferiram, pela força das armas, nos desígnios do país – travando tanto o avanço de «Ava» como do «Arracão» sobre a Baixa Birmânia; e que a acção dos Portugueses atrasou a unificação. No segundo capítulo, averiguarei a posição arracanesa perante as lutas pelo poder na Birmânia Imperial; perante a ocupação do «Sirião» e da ilha de Sundiva por dissidentes Portugueses; e perante as iniciativas do Estado da Índia. Tentarei apurar as razões que levaram o «Arracão» a ultrapassar os problemas então criados, mantendo uma posição de neutralidade. No terceiro e último capítulo, pretendo mostrar que a actuação dos Portugueses enquanto conquistadores, dada a desvantagem numérica e o aventureirismo, acabou por os levar a serem conquistados, o que favoreceu a sua integração na Birmânia». In Maria Ana Masques Guedes, Interferência e Integração dos Portugueses na Birmânia, ca 1580-1630, Fundação Oriente, ISBN 972-9440-28-X.
Cortesia da Fundação Oriente/JDACT